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Rememorar para não repetir o horror: 56 anos do golpe militar de 1964


Publicado em: 31 de março de 2020

Em 2020, o Golpe Militar de 1964 completa 56 anos. A Ditadura Civil-militar (1964-1985) foi um dos períodos mais nefastos da história brasileira, tendo configurado práticas significativamente violentas e de violação de direitos fundamentais, que ferem a dignidade humana. Esse processo deixou marcas profundas, que causam sofrimento até hoje e que impuseram consequências a toda a sociedade. O regime instaurado - iniciado a partir do golpe que destituiu o então presidente João Goulart -, durou 21 anos, foi autoritário, antidemocrático e fomentou uma cultura de medo, instaurada pelo uso de procedimentos como prisões ilegítimas, tortura, perseguições, desaparecimentos forçados e assassinatos, entre outros, como forma de punição e dissuasão aos que se opunham ao regime.

No que diz respeito às práticas em Saúde Mental, no período ditatorial os manicômios, leitos psiquiátricos e hospícios judiciários cresceram em número e foram utilizados nas ações de repressão, controle, exclusão e na violação de direitos de grupos e milhares de pessoas. No âmbito acadêmico e educacional, o cerceamento da produção de conhecimentos causou a interrupção de pesquisas e investigação científica, bem como a censura a diversos conteúdos, obras e produções de autores e autoras em variados campos.

E porque esse assunto está sendo discutido pelo CRP? Tem alguma coisa a ver com a nossa categoria e prática profissional? Tem! Tudo. Ao falarmos da preocupação com o desenvolvimento saudável da população e com a atuação das psicólogas nos diversos setores em que trabalham, é fundamental estarmos atentos às condições possibilitadas à sociedade para se viver uma vida digna, e não há dignidade em uma sociedade desigual, preconceituosa, violenta, que retira de seus cidadãos e cidadãs os direitos fundamentais para sua existência. É importante, então, refletirmos criticamente sobre esse processo e é nosso dever, como ciência comprometida com a realidade de nosso país, contribuirmos com a sua rememoração, a fim de não permitir que práticas que produzam ódio, dor, silenciamento e morte voltem a acontecer. 

A Ditadura Civil-Militar encontrou apoio em diversos setores da sociedade brasileira e, no esforço de desvelar a verdade sobre esse período, é importante lembrar que grupos e pessoas, entre eles empresários e latifundiários, não só lucraram financeiramente, mas encontraram benefícios políticos com o projeto de sociedade implantado não apenas a partir do Golpe, mas durante e depois dele.

A luta da sociedade que sofreu pelo autoritarismo e pela repressão realizada pelo Estado marca a resistência nesse período, permanecendo viva até os dias de hoje, visto que as práticas ditatoriais ainda se expressam em discursos políticos de perseguição a grupos, na apologia a torturadores, na criminalização dos movimentos sociais e em ações praticadas pelo Estado que afirmam a violência e o medo como forma de controle, repressão e exclusão.

A Constituição de 1988 representa um avanço significativo no processo democrático, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), entre tantas outras políticas públicas que foram implementadas desde o processo de redemocratização e que afirmam e garantem o direito à existência de milhares de brasileiras e de brasileiros. Destaca-se, também, a criação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, a Comissão Nacional da Verdade e as Comissões Estaduais da Verdade como importantes mecanismos que contribuíram com a investigação acerca das graves violações de direitos humanos, e as Clínicas do Testemunho, dispositivos voltados à reparação dos efeitos psíquicos causados pelas graves violações cometidos pelo Estado autoritário e por seus agentes.

Para saber mais sobre esse período e a participação da Psicologia, a publicação “A Verdade é Revolucionária: Testemunhos e Memórias de Psicólogas e Psicólogos sobre a Ditadura Civil-Militar Brasileira (1964-1985)”, desenvolvida pelo Conselho Federal e Conselhos Regionais de Psicologia, reúne testemunhos importantes sobre o assunto.

A participação e implicação das psicólogas e psicólogos nesse debate é fundamental para contribuir com direitos à memória, à verdade e à justiça.

Lembrando o art. 3º dos Princípios fundamentais do Código de Ética profissional da Psicologia:

III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.

Problematizar os efeitos que as práticas ditatoriais causaram e causa, até os dias de hoje, é necessário para compreender e explicitar a gravidade desse processo e a perpetuação de violências historicamente cometidas e intensificadas na Ditadura que ainda são praticadas a grupos. Tal problematização, bem como a análise conjuntural dessa realidade, é um caminho ético de uma categoria profissional comprometida com a sociedade, que assume seu papel na construção de uma Psicologia capaz de contribuir com a transformação de uma realidade que perpetua práticas violentas.  

Só há acesso e garantia à saúde integral e universal, à educação de qualidade nos diferentes níveis, à segurança pública, à assistência, à moradia digna, aos direitos trabalhistas, às diferentes expressões culturais, à inclusão social, ao respeito às diferentes etnias, a aposentaria justa, à produção científica avançada, à diversidade sexual, religiosa e política em uma sociedade democrática que garanta os direitos fundamentais a todos os cidadãos e a todas as cidadãs, considerando a diversidade e as diferentes realidades dessa população. Uma sociedade que (re)produz desigualdades é uma sociedade violenta e adoecedora.

Tendo em vista a defesa dos direitos humanos, o fortalecimento das Políticas Públicas nos diferentes setores, e o combate a todas as formas de desigualdade, violência, negligência e opressão, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP) posiciona-se a favor da democracia e do Estado Democrático de Direitos como condição fundamental à defesa da vida e a todas as formas de existência.

Assim, em tempos como esse que estamos vivendo, de retirada de direitos e desmonte de Políticas Públicas, em um contexto de pandemia, no qual o acesso à saúde de qualidade e o suporte do Estado se tornam necessários para a sobrevivência da população, é nosso compromisso não esquecer a data que marca o início Ditadura Militar e as atrocidades e violências cometidas a tantas pessoas nesse período, para nunca mais repeti-la, mas também para que possamos aprender a reconhecer as novas configurações que o autoritarismo deixou em nossas formas de ser, conviver e nos relacionarmos. Para que estejamos alertas e atentos para não corrompermos nosso fazer profissional com a banalidade do mal, que não nos faz perceber os sofrimentos passados, presentes e futuros, causados por um regime devastador e soturno, como foi a Ditadura Civil-Militar.


Termos relevantes
direitos humanos