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CRP SP responde: Quais as orientações às/aos psicólogas/os com relação à atuação no atendimento a mulheres em situação de violência durante a pandemia de Covid-19?


Publicado em: 27 de maio de 2020

CRP SP RESPONDE: QUAIS AS ORIENTAÇÕES ÀS/AOS PSICÓLOGAS/OS COM RELAÇÃO À ATUAÇÃO NO ATENDIMENTO A MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19?

A violência constitui uma violação dos direitos humanos da mulher. Ocorre dentro de um contexto multidimensional, com aspectos sociais, culturais, econômicos e relacionados à subjetividade das pessoas envolvidas. É de conhecimento público o alto índice de casos de violência contra a mulher, destacando-se o grande número de feminicídios que ocorrem no Brasil. Há que se ressaltar que, desde o início da pandemia, o número de casos de violência contra a mulher tem aumentado drasticamente. Embora fundamental para conter a COVID-19, o isolamento social faz com que muitas mulheres viessem a permanecer confinadas com agressores e distantes de contatos externos e de suas redes de afeto e de cuidado. 

A/o psicóloga/o exerce um papel imprescindível na rede de proteção e cuidado à mulher em situação de violência, principalmente diante das dificuldades encontradas nesse contexto de pandemia. Desse modo, é fundamental que psicólogas/os estejam atentas/os, no exercício profissional, para identificar indícios ou tomar conhecimento de situações de violência contra a mulher. 

De acordo com o Código de Ética da/o Psicóloga/o, as/os profissionais não podem ser omissas/os ou coniventes diante de violência e outras violações de direitos humanos. Destacamos aqui os princípios fundamentais e o art. 2º, alínea “a”, do Código de Ética:

Princípios Fundamentais:

  1. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
  2. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.

(...)

Art. 2º - Ao psicólogo é vedado:
Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão.

Desse modo, cabe avaliar e tomar providências necessárias, desde encaminhamentos a serem feitos até decidir se será necessária a quebra de sigilo, buscando o menor prejuízo para a mulher atendida. A/o psicóloga/o deve estar fundamentada/o técnica e eticamente em suas decisões quanto à conduta profissional. O limite e a gravidade da situação devem ser avaliados, destacando-se as possíveis consequências. A decisão pela quebra do sigilo é única e exclusivamente da/o psicóloga/o e deve ser feita com base nos arts. 9º e 10 do Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o:

Art. 9º - É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional.

Art. 10 - Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.

Parágrafo Único - Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias.

A/o psicóloga/o deve também seguir a Resolução CFP 08/2020, que estabelece normas de exercício profissional da psicologia em relação às violências de gênero, destacando-se aqui seu art. 5º:

Art. 5º Em relação à possibilidade de quebra de sigilo profissional para assegurar o menor prejuízo, proceder a notificações compulsórias, depor em juízo e em outros casos previstos pela Lei relacionados à violência de gênero, a psicóloga e o psicólogo deverão:

I - prestar informações estritamente necessárias de modo a não comprometer a segurança da pessoa que sofreu violência de gênero;
II - considerar impactos da quebra de sigilo a aspectos de vulnerabilidade social da pessoa que sofreu violência de gênero;
III - indicar dados sigilosos apenas em formulários, sistemas e equipamentos de políticas públicas correspondentes que assegurem o sigilo de informações; e
IV - prestar explicações judiciais mediante padrão de documentos psicológicos estabelecidos pela Resolução CFP nº 6, de 19 de março de 2019, conforme o caso.

Considerando outras referências da legislação pertinente ao assunto, é indispensável conhecer a Lei N.º 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Nela estão tipificadas as diferentes expressões da violência contra a mulher: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Destacamos também a Portaria de Consolidação Nº 4, de 28 de setembro de 2017, anexo V, capítulo II, que trata da notificação compulsória da violência contra a mulher. De acordo com o Instrutivo do Sistema de Vigilâncias de Violências e Acidentes (VIVA) do Ministério da Saúde (2016), são agravos de notificação compulsória as seguintes violências: doméstica/intrafamiliar, sexual, autoprovocada (tentativa de suicídio), tráfico de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil, tortura, intervenção legal e violências homofóbicas contra mulheres e homens em todas as fases da vida. O documento determina que profissionais de saúde devem, obrigatoriamente, notificar as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde sobre os casos de violência sexual e de violência doméstica que venham a atender ou identificar.

Na atenção à mulher em situação de violência, faz-se indispensável compreender e considerar as dificuldades de cada mulher em buscar a rede de proteção e cuidado, para que a/o profissional vise soluções abrangentes e factíveis para os casos atendidos. Com relação aos encaminhamentos, é fundamental obter informações sobre o funcionamento, durante a pandemia, das redes de atendimento e proteção de diversas áreas (Saúde, Assistência Social, Justiça, dentre outras), a fim de realizar a articulação necessária para atender a complexidade das demandas. Neste contexto, apontamos a seguir referências e publicações relevantes sobre o tema:

Abaixo seguem informações quanto ao funcionamento de serviços essenciais para mulheres em situação de violência, imprescindíveis às/aos psicólogas/os que realizam o atendimento dessas mulheres:

  • Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência - Ligue 180. Consiste em um serviço de utilidade pública, gratuito e confidencial, que preserva o anonimato. Tem por objetivo receber denúncias de violência e reclamações sobre os serviços da rede de atendimento à mulher, além de orientar as mulheres sobre seus direitos e sobre a legislação vigente, encaminhando-as para outros serviços quando necessário;
  • Defensoria Pública do Estado de São Paulo – está realizando atendimento à distância por Whatsapp (011) 94220-9995 e ligação gratuita no 0800-773-4340;
  • Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMs) e as Delegacias de Polícia estão funcionando com distanciamento físico durante os atendimentos;
  • Centros de Referência da Mulher, Casas Abrigo e de Passagem e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) seguem abertos;
  • Delegacia Eletrônica da Polícia Civil – é possível registrar o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas de urgência pelo site;
  • As notificações de medidas protetivas a agressores estão sendo realizadas por e-mail, telefone e whatsapp.

Elucidamos que, durante o período de pandemia, a Resolução CFP 04/2020 suspendeu temporariamente as proibições quanto ao atendimento à distância de casos em que seria essencial a intervenção de forma presencial. Esta medida foi tomada como forma de garantir a continuidade da prestação de serviços de qualidade e em condições apropriadas, conforme recomendação das autoridades sanitárias. Cabe salientar, no entanto, que, caso a/o psicóloga/o tome ciência de situação de violação de direitos ou de violência durante o atendimento regular por meios tecnológicos da informação e da comunicação (TICs), também deverá tomar as medidas cabíveis, em consonância com o Código de Ética, para encaminhamento e articulação junto à rede de proteção. Ademais, frisamos que, para prestação de serviços psicológicos por meio de TICs, é obrigatório o cadastro no site e-Psi, conforme a Resolução CFP 11/2018. Contudo, nesse momento, não é necessário aguardar a aprovação do cadastro para começar a atender, embora a/o psicóloga/o deva encaminhar a solicitação do mesmo. 

Em relação ao manejo clínico de casos específicos, cabe à/ao profissional buscar recursos para auxiliá-la/o, tais como supervisão, bibliografia, cursos, dentre outros meios possíveis. A/o psicóloga/o possui autonomia para escolher os recursos que prefere para aprimorar sua capacitação teórica, técnica e pessoal. 

Por fim, ressaltamos a importância de que a/o psicóloga/o esteja atenta/o à publicação de recomendações e regulamentações na página do nosso site com orientações para atuação profissional no atual contexto, dada a rapidez com que as informações sobre formas de enfrentamento à pandemia são atualizadas. Em decorrência de seu avanço e agravamento - incluindo o surgimento de mais variantes do novo coronavírus - e da necessidade da tomada de novas decisões e posicionamentos por parte do Governo do Estado de São Paulo, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo reitera seu compromisso pela vida e pela saúde de todas e todos. Embora o CRP SP não tenha competência legal decisória sobre a determinação dos prazos para medidas de isolamento social no estado de São Paulo, reforçamos o dever ético de que a/o psicóloga/o faça uma reflexão crítica ao tomar decisões para a atuação neste momento. Os princípios que embasam o Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o devem estar sempre presentes diante da reflexão e decisões sobre os dilemas, limites e possibilidades do fazer psicológico.


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