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Nota Técnica de orientação a profissionais de Psicologia que atuam direta ou indiretamente no Poder Judiciário


Publicado em: 1 de junho de 2020

Pela Lei 5.766/1971, “o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia, dotados de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, constituem-se, em seu conjunto, uma autarquia, destinados a orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de Psicólogo e zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe”. 

Assim, imbuído do dever de orientar a categoria de psicólogas/os de forma a garantir que o serviço prestado à sociedade se baseie no acúmulo de conhecimentos científicos da Psicologia e esteja em acordo com os preceitos éticos que norteiam a profissão, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP) vem apresentar Nota Técnica acerca do exercício profissional no contexto do Poder Judiciário.

Em decorrência do alastramento do Coronavirus no Brasil desde o mês de fevereiro de 2020, passou a ser preconizada a prática de distanciamento social, popularmente conhecida como “quarentena”. Instituiu-se, então, por meio de Provimento do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), CSM n.º 2549/2020 o trabalho dos Setores de Psicologia por meios remotos, denominado Home Office, ou teletrabalho, à exceção prevista de “VII - pedidos de acolhimento familiar e institucional, bem como de desacolhimento”. A partir de demandas e dúvidas quanto às possibilidades de atuação, foi construída pelo CRP SP uma orientação inicial quanto ao exercício profissional neste contexto durante a pandemia. 

Não obstante, em virtude das especificidades de atuação no contexto judiciário, bem como de novas demandas de orientação por parte das/os psicólogas/os, esta autarquia depreendeu a necessidade do estabelecimento de diretrizes.

As considerações têm com base os preceitos éticos da Psicologia, levando em conta que, não obstante a avaliação psicológica por meio de TICs seja autorizada pela Res. CFP 011/2018, tal atividade apresenta especificidades no contexto judiciário ou, de forma mais ampla, na interface com a justiça, visto que, em grande parte das questões tratadas, não conta com a busca e/ou mesmo voluntariedade da pessoa atendida pela avaliação psicológica, havendo diferenças entre o enquadre pericial e o enquadre clínico.

Para a garantia de uma prática que assegure direitos, é imprescindível que toda a atuação esteja baseada nos conhecimentos e preceitos éticos construídos e atualizados ao longo dos anos de regulamentação da Psicologia. Tais preceitos não se encerram em si, devendo estar em diálogo com as especificidades da atuação, ou seja, deve-se levar em conta tanto a realidade mais ampla na qual está inserida, quanto o contexto mais específico, e também as especificidades de cada caso, sempre a partir de uma análise crítica da realidade. Apontam tais princípios, como diretrizes da Psicologia, os direitos humanos, seja pela sua promoção, seja pelo enfrentamento às violações.

É a partir deles que esta autarquia vem apresentar diretrizes acerca do exercício profissional da/o psicóloga/o no contexto judiciário ou na prestação de serviços à justiça. Assim,

CONSIDERANDO o decreto da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 11 de março de 2020 que classifica o COVID-19, novo coronavírus, como pandemia;

CONSIDERANDO o decreto legislativo nº 06/2020 do Congresso Nacional, que declara estado de calamidade pública em todo o território brasileiro;

CONSIDERANDO o decreto nº 64.881 de 21 de março de 2020 do Governo do Estado de São Paulo, que estabelece regime de quarentena, prorrogado por determinações ulteriores;

CONSIDERANDO a resolução nº 313/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece o modelo de teletrabalho para serventuários do Poder Judiciário em todo o país, com efeitos estendidos por resoluções ulteriores;

CONSIDERANDO a resolução nº 04/2020 do Conselho Federal de Psicologia, que amplia as hipóteses de admissibilidade do atendimento psicológico on-line, em face das necessidades decorrentes do isolamento social como principal estratégia para enfrentamento e controle da pandemia do novo coronavírus;

CONSIDERANDO que as atividades da Psicologia na interface com a Justiça observam legislações protetivas e processuais, envolvendo toda sorte de serviços psicológicos, como avaliação, intervenção, orientação e encaminhamento;

CONSIDERANDO o Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o, que afirma como princípio fundamental que a/o psicóloga/o deverá considerar as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações em sua atividade profissional;

CONSIDERANDO que o acesso aos recursos tecnológicos ainda é restrito para grande parte da população e que, mesmo quando há o acesso, nem sempre ele se dá de forma a garantir internet de qualidade, proteção de dados e sigilo; 

CONSIDERANDO que a interdisciplinaridade não constitui campo de dominância ou dependência de uma área do saber sobre outra;

CONSIDERANDO que a Psicologia, enquanto ciência e profissão, exige elevado padrão técnico-científico em todos os serviços prestados, competindo às/aos psicólogas/os observarem as condições de trabalho e se as mesmas são apropriadas à natureza de seus serviços;

CONSIDERANDO que, nos termos da Lei 4.119/1962, que regulamenta a profissão no país, as atividades no campo do diagnóstico psicológico são privativas da Psicologia; 

CONSIDERANDO o Ofício Circular n.º 63/2020/GTec/CG-CFP, expedido pelo Conselho Federal de Psicologia em 11/05/2020, que contraindica o uso de tecnologias de informação e comunicação para procedimentos que levem a conclusões técnicas ou qualquer outra forma de decisão decorrente dos dados psicológicos;

CONSIDERANDO que este Conselho Regional de Psicologia tem recebido demandas diversas de psicólogas/os preocupadas/os com o uso de tecnologias para a realização de avaliações psicológicas, bem como a partir de parecer ofertado pela Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça de São Paulo (AASPTJ-SP) acerca da questão;

CONSIDERANDO que os documentos psicológicos no contexto judiciário são utilizados para subsidiar decisões judiciais e, se realizado por meio de instrumentos não validados, pode conduzir as/os magistradas/os a decisões equivocadas, provocando prejuízos à população atendida;

CONSIDERANDO que, por meio da Resolução 314/2020 do Conselho Nacional de Justiça, admite-se que atos processuais inviáveis por meio eletrônico ou virtual serão devidamente justificados nos autos e adiados para oportuna execução;

CONSIDERANDO a decisão do Exmo. Corregedor Geral de Justiça do TJ-SP no Processo 2020/44148, baseado no parecer 123/2020-J, ofertado pela Exma. Juíza Assessora da Corregedora Dr.ª Mônica Gonzaga Arnoni, publicada no Diário da Justiça Eletrônico no dia 30 de abril de 2020 (p. 14-17), que apresenta um rol de atividades possíveis aos Setores Técnicos para além de entrevistas psicológicas e sociais;

RECOMENDA às/aos psicólogas/os:

  1. Que evitem qualquer forma de avaliação psicológica com a utilização de tecnologias da informação e comunicação (TICs) que se destine, total ou parcialmente, isolada ou conjuntamente com outras/os profissionais, à tomada de decisões em casos nos quais ainda não foi procedida avaliação presencial, devido ao elevado risco de prejudicialidade da validade e da fidedignidade dos dados obtidos ou encaminhados em serviços psicológicos realizados em arranjos sem condições para o controle das variáveis inerentes ao fenômeno psicológico e sua expressão, bem como para a garantia do sigilo e do ambiente externo, tanto da/o psicóloga/o quanto da pessoa atendida; que, nos casos em que já tenha atuado, se utilize das TICs visando ao embasamento de decisões judiciais apenas quando for possível  garantir a mesma validade e fidedignidade  que seria garantida em atendimentos presenciais;
  2. Que atuem por meio de TICs visando ao acompanhamento e orientação dos casos de modo a prover e garantir o atendimento necessário quando observada a necessidade de urgência de tais ações;
  3. Que considerem, na escolha do canal e dos instrumentos mediadores de contato com a/o usuária/o do serviço psicológico, os riscos quanto à interferência, voluntária ou acidental, nos procedimentos adotados e nos resultados obtidos por parte de terceiros interessados no dado psicológico;
  4. Que considerem que tecnologias de informação e comunicação podem não reproduzir as condições para a livre expressão sob uma série de circunstâncias, como idade da/o usuária/o, condições de saúde e existência de deficiência, barreiras atitudinais, culturais e socioeconômicas perante dispositivos e recursos on-line;
  5. Que atividades profissionais mediadas por tecnologias da informação e comunicação sejam consideradas preferencialmente para atribuições funcionais não relacionadas a abordagens com fontes primárias de informação, como articulação e contatos com a rede de serviços, reuniões, participação em audiências e análise documental; 
  6. Que procurem dialogar com gestores de unidades jurisdicionais e demais agentes institucionais sobre a possibilidade de demandas processuais serem eventualmente, e sob escolha criteriosa, respondidas de forma abstrata e teórica, por meio de parecer psicológico, documento destinado a responder a uma questão-problema do campo psicológico, com base em análise técnica, mas que não é resultante do processo de avaliação psicológica ou de intervenção psicológica, resguardando-se os limites desse tipo de manifestação.
  7. Que se posicionem ética e criticamente quanto a situações emergenciais e urgentes, considerando a devida priorização de casos que envolvam riscos pessoais, manifestando-se de forma fundamentada sobre os prejuízos reais e potenciais de atendimentos de forma remota.
  8. Que procurem fomentar, junto a gestores de unidades jurisdicionais e demais agentes institucionais, o encaminhamento e o desenvolvimento de procedimentos e protocolos sanitários de proteção, prevenção e segurança, bem como a disponibilização de equipamentos e readequações das condições estruturais pertinentes aos serviços psicológicos, visando à atuação presencial em situações urgentes e à ulterior retomada das atividades presenciais.

Termos relevantes
direitos humanos