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Aprendendo a conviver com a deficiência


Publicado em: 12 de janeiro de 2016
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

A conquista da autonomia e a aceitação de sua condição se mostram um caminho para lidar com a deficiência. Nesse processo, a família desempenha um papel fundamental   src=/ckfinder/userfiles/images/deficiência.png   Estudante do segundo ano do ensino médio do Colégio Batista Brasileiro, Samuel Adiron tem 16 anos e muitos sonhos, como qualquer jovem de sua idade. É extremamente social e falante. No ano que vem, espera concluir a última etapa do colégio e se dedicar aos estudos para passar no vestibular. Quer cursar a faculdade de Pedagogia. Um de seus amigos, que conhece há muitos anos, é professor na Universidade de Málaga, na Espanha, e o convidou para passar um ano estudando lá. Se as condições permitirem, Samuel irá.    Esse pequeno retrato do cotidiano de Samuel mostra que o fato de ele ter Síndrome de Down (SD) não representa um fator limitador para muitos aspectos de sua vida social ou de estudante. E, por isso mesmo, prova que ser considerado uma pessoa com deficiência não significa necessariamente ser alguém que convive com o sofrimento psicológico. “Eu não sofro nada por causa da minha síndrome. Sinto que todos me respeitam tanto na escola quanto fora dela. E tenho muitos amigos”, diz Samuel, que em seguida nomeia um a um seus companheiros de escola mais queridos. “A minha família está vendo que eu estou crescendo em nível de conhecimento, estou sempre aprendendo coisas novas”, conta o jovem.   Segundo Fábio Adiron, pai de Samuel, um dos fatores que o ajuda a se sentir valorizado é a participação em congressos e palestras voltados para o tema da síndrome. “Ele se sente muito bem com isso, gosta de falar e se vê como sendo importante fazendo palestras”, explica, acrescentando que Samuel fez sua primeira palestra em 2014 em um evento da RibDown, associação de Ribeirão Preto. Neste ano o jovem foi palestrante no Seminário Internacional da Fundação SD de Campinas e no Congresso Brasileiro de SD que aconteceu em Curitiba.   A presença de pai e filho em eventos sobre a temá- tica deriva do envolvimento de Fábio com grupos de pais que tem filhos na mesma condição. Pouco depois do nascimento de Samuel, Fábio ingressou em grupos de discussão sobre a síndrome na internet. Ele também chegou a fundar uma associação – que já não existe mais – voltada a pais de deficientes intelectuais e até hoje modera fóruns virtuais de discussão do assunto. Além disso, trabalha voluntariamente para a Federa- ção Brasileira das Associações de Síndrome de Down. “A participação em grupos sempre é muito importante para pais e profissionais, pois ajuda a entender as questões que são comuns e, ao mesmo tempo funciona como grupo de apoio”, pontua.   De acordo com ele, a conquista de uma maior autonomia por parte de Samuel passa pela postura adotada no dia a dia familiar e pela educação inclusiva. Em casa, o jovem ajuda nos afazeres de casa. “Eu lavo louça e também ajudo minha mãe, Elsa, a lavar as roupas. Aos finais de semana, gosto de fazer o café da manhã”, diz ele. Desde o início de sua vida escolar, seus pais fizeram questão de que ele estudasse junto com crianças que não possuem deficiência. “Eu defendo a educação inclusiva, pois entendo que não existe uma educação específica para segmentos de pessoas”, afirma ele, para quem os avan- ços em inclusão ainda são pequenos no nosso país.   “A situação ainda é ruim. Já foi péssima. As políticas públicas federais ajudaram bastante nos últimos anos, mas ainda existem resistências muito fortes, especialmente da indústria da educação especial que teme perder espaço, poder e, principalmente, verbas públicas”, argumenta ele. Para Fábio, as escolas particulares também são focos de resistência, uma vez que, muitas escolas têm apenas o objetivo de preparar alunos para o vestibular. “Escolas com esse modelo acham que pessoas com deficiência vão atrapalhar o desempenho de outros alunos e da avaliação da escola nos exames nacionais”, pontua. Com relação ao preconceito, Fábio considera que Samuel e a família nunca passaram por situações explícitas, embora ele perceba que existem eventualmente algumas manifestações indiretas. “Os colegas de escola são ótimos, mas nessa fase de adolescência chamam pouco o Samuel para programas que eles fazem”, diz   O pai do jovem também afirma que Samuel nunca se queixou de ter Síndrome de Down e que essa condição não é supervalorizada no relacionamento familiar. Samuel sabe o que significa a Síndrome de Down e também está ciente de que não será tratado de maneira diferente por causa disso. Ele tem uma irmã dois anos mais nova que não possui deficiência. A relação entre eles é como de outros irmãos dessa idade, segundo Fábio: ela sempre está preocupada com ele, ele quer ser protetor dela e, em alguns momentos, discutem por divergências pontuais. “Eu diria que o problema mais complicado é ela entender algumas pessoas que o tratam de forma diferenciada, quando nós ensinamos o tempo todo que não é para fazer isso”, diz Fábio   O incentivo dado pela família para uma vida autô- noma e inclusiva também é apontado como um fator de valorização e empoderamento pessoal para Roseli Behaker Garcia. “A minha família me deu um suporte extremamente adequado para eu aceitar minha defici- ência”, conta Roseli, de 42 anos, que ficou cega devido a uma retinopatia de prematuridade. A doença foi adquirida quando era recém-nascida. “Tenho duas tias que já trabalhavam como professoras para pessoas com deficiência visual antes de eu nascer. Elas foram um grande apoio para mim”, diz.   Dos seis aos oito anos, Roseli estudou no Instituto de Cegos Padre Chico para aprender a ter autonomia na linguagem escrita e em Braille. Depois de alfabetizada foi estudar em uma escola comum. Para ela, esse foi um período de descobertas. “Foi uma fase de conhecer outras crianças e das outras crianças me conhecerem. Nunca me senti isolada e sempre tive muitos amigos”, diz ela, que tem uma irmã gêmea que não possui a deficiência e com quem também sempre teve bom relacionamento.   Formada em Letras pela Universidade Mackenzie, Roseli fez curso de especialização em Linguagens da Arte no Centro Universitário Maria Antonia USP e mestrado em Educação, Arte e História da Cultura também no Mackenzie. Além de estudar, ela trabalha. Há 20 anos é analista de Recursos Humanos na universidade pela qual se formou. Ela conta que não sente sofrimento psicológico pelo fato de ser cega. Mas se sente incomodada quando percebe que as pessoas a sua volta não confiam na sua capacidade de realizar atividades ou tarefas. “O que me deixa triste é quando as pessoas põe em dúvida se vou conseguir fazer algo, se vai dar certo. Geralmente eu tento driblar essas desconfianças, não ficar dando asas a esse assunto”, afirma ela, acrescentando que nessas horas não entra em brigas ou discussões.   Em momentos em que precisa desabafar, Roseli recorre aos amigos. Mas diz que também faz atividades paralelas que a ajudam a gerenciar as inquietações e a se inserir mais no contexto social. Ela participa do Projeto Mix Menestréis, parte da Oficina dos Menestréis. Trata-se de um grupo de teatro que, apesar de formado por pessoas com diferentes tipos de deficiência física não possui propósito terapêutico, mas exclusivamente artístico, segundo ela. “A ultima peça que nós fizemos chama-se Aldeia dos Ventos Mix e eu fiz o papel de ama do castelo”, diz Roseli. Nessa e em outras atividades de sua vida, ela afirma com segurança: “Eu estou bem realizada com tudo o que faço”.   Jornal PSI, nº 185