Notícias


29 de agosto - Dia Nacional da Visibilidade Lésbica


Publicado em: 29 de agosto de 2020

Agosto é o mês da Visibilidade Lésbica, data que faz referência ao I Seminário Nacional de Lésbicas em 1996, no Rio de Janeiro, realizado pelo Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro (COLERJ). Muitas lésbicas negras estiveram presentes nessa construção e, por isso, é um mês importante para reverenciar as que lutaram antes de nós, como Neusa das Dores, Heliana Hemetério, Alaerte Leandro, Angela Martins, Valdecir Nascimento, Rosangela Castro, Soraya Menezes, Cidinha da Silva, Rosangela Araújo e outras tantas. 

Em referência a esse mês, realizamos um debate on-line, no último dia 25, com a presença da conselheira e psicóloga Sulamita Assunção, da psicóloga Alaine Silva de Santana, da advogada Rute Alonso, da assistente social Fernanda Gomes, da compositora e poeta Nina Ferreira e da psicóloga Lumena Aleluia, para conversar sobre as identidades lésbicas e o compromisso da Psicologia e das demais ciências com a despatologização das sexualidades. O conteúdo completo está disponível aqui

Nesse encontro, foi ressaltado que é fundamental as instituições abordarem esse assunto o ano inteiro e não somente no mês de agosto. Na mesma direção, Fernanda Gomes apontou que as mulheres lésbicas e negras sabem conversar de diversos temas, não somente lesbianidade e negritude. Então, é preciso ampliar os convites de participação tendo em vista as tantas outras habilidades que temos. 

Foi levantado sobre a invisibilidade lésbica inclusive no movimento LGBTQIA+. “Uma letra dentro de uma sigla vai representar um grupo que é muito diverso, faz parte de uma lógica muito colonial, em que você achata as subjetividades colocando um pra representar todos” Nina Ferreira. Rute Alonso e Sulamita acrescentaram que essa invisibilidade e o não-lugar para o afeto e desejo entre mulheres, está relacionada com o fato de não ter um pênis para mediar a relação, já que a heterossexualidade também é uma estrutura da nossa sociedade, e é em torno do pênis que somos socializadas para servir, agradar e ser a propriedade homens. Sem ele, o pênis, é como se nada mais fosse possível, daí a impossibilidade de existir e ser visível uma relação entre mulheres. 

Conversamos sobre as ideologias construídas pelas ciências que historicamente inseriu as corpas periféricas, negras e lésbicas no lugar de patologia e inferioridade, em oposição a branquitude e heterossexualidade que ocupou e ocupa o lugar de superior, natural e normal. Nesse sentido, é central interseccionar o marcador de raça e classe em todas as discussões. “Não dá pra falar da minha sexualidade sem falar de raça, não tem como descolar isso”, Alaine de Santana. 

Alaine de Santana evidenciou a falta de professoras/es negras/os em sua formação de Psicologia e disciplinas que abordassem de maneira crítica e integrada a sexualidade e raça. Dialogando sobre a urgência de repensar os currículos e as formações para que possamos construir outras narrativas para as nossas subjetividades e atuação profissional. Nessa direção, Lumena Aleluia pontuou, que vivemos em uma “estrutura que bebe e se organiza e dissemina projetos de sociedade que nos elimina em termos de epistemologia, de sociabilidade, acesso a saúde e concepção de identidade”. 

A Rute Alonso destacou sobre o pouquíssimo acesso e falta de pertencimento que as mulheres lésbicas têm em relação as poucas políticas públicas que existentes, como exemplo, dos centros LGBTs e CDCMs (Centro de Defesa e de Convivência da Mulher). Evidenciou a falta de políticas públicas voltadas para as mulheres lésbicas de maneira ampla, e, no que diz respeito ao cuidado com a saúde mental. Pontuou que a política pública não foi melhorada nesse contexto, mas sim, houve iniciativas de grupos autônomos e voluntárias que passaram a oferecer gratuitamente o seu trabalho em áreas diversas, ou seja, a política pública não se modificou em razão da pandemia. “Não tem pra ninguém, para as lésbicas menos ainda”. 

Nesse debate, foi indispensável a reflexão sobre narrativas que desloquem as mulheres lésbicas das categorias de inferioridade que foram construídas. Porém, discutimos sobre as novas categorias universalizantes sobre “o que é ser lésbica?”, como se houvesse uma nova subjetividade universal romântica acima do bem e do mal, e só tivéssemos uma única fé, um jeito único de ser, se vestir, amar, se comportar, se divertir, se relacionar. “Sou negra, sou lésbica, não posso dar uma mancada, não posso ter uma outra opinião... as pessoas vão traçando as nossas características, as nossas identidades... nossa identidade é uma identidade roubada. Eu quero ser o que eu quiser!”, Fernanda Gomes. 

Assim, é necessária uma reflexão sobre identidade que nos liberte e humanize. Não há uma identidade definitiva e única do que é ser uma mulher negra e lésbica. As mulheres negras e lésbicas são diversas, heterogêneas, com diferentes visões de mundo e que se localizam em diferentes tempos e contextos. 

Um outro questionamento importante foi trazido pela Nina Ferreira “Como desaprender isso? Como desaprender essa cultura tão estruturante. Quais são os espaços que a gente tem para desaprender essas coisas?”.

Nessa perspectiva, é essencial que possamos construir outras referências, espaços e experiências que sirvam de espelhos, possibilidades de cura, possibilidades de ser e de romper com a patologização do desejo e afeto, com o apagamento do nosso corpo e palavra, para que consigamos realmente existir em um mundo que persiste em querer enterrar quem somos.