Notícias


Nota de apoio à Mariana Ferrer e às muitas vítimas da cultura do estupro e dos aviltamentos jurídicos


Publicado em: 4 de novembro de 2020

Durante séculos, o domínio social sobre os corpos femininos foi conduzido sobre os interesses masculinos, encobrindo a mulher sobre a cortina da castidade, sacralidade e resignação, sendo objeto de procriação e obediência. 

Por outro lado, também reservava à parcelas da população feminina o dito profano, enxergando em seus corpos funções destinadas exclusivamente ao sexo e a outras servidões. 

As concepções acerca da subjetividade feminina foram aos poucos conquistando espaços e provocando conquistas históricas, políticas, econômicas e culturais. 

Com o progresso do capitalismo nas sociedades, a mulher passa a ser vista como potente força de trabalho sendo utilizada para fins de exploração e crescimento econômico. 

A organização das condutas e comportamentos estão diretamente ligadas à interação do indivíduo com o outro marcado por uma época. 

A supremacia masculina constrói padrões que desqualificam as capacidades da mulher em diversos campos que giram em torno do trabalho, sua livre expressão de sexualidade e todas as formas de autonomia reduzindo a função e capacidade feminina aos manejos domésticos e da maternidade. 

Uma ação violenta pode estar direcionada ao ataque e/ou manipulação da subjetividade do outro funcionando como uma das maneiras de coerção para atingir o afeto e o pensamento daquele que sofre a violência.

A cada dia se observa que a desigualdade de gêneros se dá por estereótipos, preconceitos e hierarquia de valores. 

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, registrou recorde de violência sexual. Foram 66 mil vítimas de estupro no Brasil em 2019 com uma média de um estupro a cada 8 minutos. 

Além do crescimento da violência sexual, observa-se um aumento significativo de feminicídios, que passou a ser tipificado no Código Penal após alteração feita pela Lei nº 13.104.

A forma com que Mariana Ferrer foi tratada durante a audiência do processo criminal do homem que ela afirma tê-la estuprado, provocou grande indignação e repercussão no Brasil esta semana. Isto é, a passividade com o que o juiz assistiu aos julgamento morais e desqualificações indecorosas do advogado do Réu, que desqualificou e culpabilizou a vítima pela violência sexual sofrida. 

Este fenômeno vem sendo estudado na cultura jurídica como vitimização secundária, a nova estigmatização da vítima pelo processo, em que ela não só deve revolver o evento, mas suportar impropérios dessa ordem. 

Muito embora a criação dos Juizados de Violência Doméstica e a moderna concepção de acesso à justiça contemplem, exatamente, a ideia de que é preciso treinar os profissionais do Direito para lidarem com a situação, infelizmente, a cena vista nessa semana ainda é muito comum.

Assim, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo presta solidariedade à Mariana Ferrer e às muitas vítimas da cultura do estupro. Mulheres que sofrem a dupla violência: do ato em si e dos desamparos e aviltamentos jurídicos, que causam extremo sofrimento e outras dores emocionais, muitas vezes irreparáveis.

A cultura do estupro tende a normalizar pensamentos e a diminuir a associação dos atos à crime sendo urgente combater e desconstruir essa lógica.

Os estupros sistemáticos, em tempos de guerra, visam destruir até populações martirizadas. É no ventre das mulheres que se encarna a loucura genocida dos homens. Violências extremas, gestações não desejadas, transmissões do HIV” Veronique Nahoum-Grappe (2011).

Assim, a Psicologia, como ciência que escuta às subjetividades e maneja seus sofrimentos, tem o compromisso de denunciar, enfrentar e combater as situações que culpabilizam as vítimas e deslegitimam suas falas. 

O compromisso social da Psicologia e os princípios fundamentais do Código de Ética preconizam que “o psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” além de “o psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural”.

Consulte a nota de Referências técnicas para atuação de psicólogas (os) em Programas de Atenção a Mulheres em situação de violência do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas e a Resolução CFP Nº 8, de 07 de julho de 2020.

A Psicologia se faz em defesa de todas as mulheres.