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Retratos CRP SP: Fernanda


Publicado em: 6 de dezembro de 2020

Uma mulher que precisa lutar para ser reconhecida como mulher. Essa é a batalha cotidiana de Maria Fernanda Ribeiro Pereira, 40 anos, professora de arte efetivada pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo na escola Guimarães Júnior de Ribeirão Preto. “Nós, travestis e mulheres trans, quando assumimos nossa identidade de gênero, o primeiro apelido que ganhamos é mulherzinha. Como se estivéssemos nos submetendo a uma condição inferior a nossa condição biológica, aos olhos dessa sociedade patriarcal, sexista, binarista e heteronormativa.”

 Nascida em São Joaquim da Barra, município paulista próximo à divisa com Minas Gerais, Fernanda foi identificada dentro do gênero masculino, com seu nome de batismo, durante toda sua trajetória escolar. Teve que completar a faculdade também como "aluno Fernando", apesar de, desde o ensino fundamental, expressar características do gênero feminino. Já passou por tantos constrangimentos que perdeu as contas. Mas não a dignidade. Ela respira fundo: “Eu não tinha acesso a uma política pública que me garantisse respeito ou acolhimento. Eu sempre ia parar na sala da diretora, porque não existia uma conversa aberta, no coletivo, sobre sexualidade.”

Os anos de violência institucional não pararam por aí. Quando assumiu como professora contratada no município de Orlândia, também insistiram para que ela usasse o nome da certidão de nascimento. Apenas anos mais tarde, depois de participar de encontros importantes da categoria e do âmbito de direitos humanos, que Fernanda teve acesso à legislação específica que lhe ajudaria a enfrentar a situação. “Meu engajamento na militância de transexuais e travestis foi uma necessidade para garantir a mínima dignidade para ter minha identidade reconhecida no trabalho e um mínimo de qualidade de vida.”

Já em 2014, prestou o concurso estadual, passou e foi nomeada professora efetiva em 2017. Ali, a situação piorou ainda mais. Depois de idas e vindas da perícia médica para assumir o cargo, acabou sendo obrigada a passar por uma avaliação psiquiátrica para "comprovar que teria condições psíquicas" para atuar como professora estadual concursada. “Entrei num enfrentamento enorme e, depois, quando me apresentei na escola, ainda sofri perseguição e assédio moral por parte da diretora. Esses processos todos me machucaram muito, mas o que não me destrói me fortalece”, diz, com voz calma e firme. "Não é um privilégio, ao contrário do que muita gente pensa. É meu direito, por lei”.

"A revolta serve como um estímulo. Sinto que posso ser uma referência de esperança. É necessário sim, buscar essa dignidade. Não digo só como professora, mas também como cidadã brasileira."

Quando entra em sala de aula já diz que é travesti, para a surpresa de muitos. “Claro, tendo todo o cuidado com a faixa etária das crianças. Alguns alunos tentam me corrigir dizendo que sou uma mulher trans, mas prefiro usar a palavra travesti mesmo já tendo retificado meu nome. Para causar reflexão. Fica evidente uma higienização da linguagem, porque a travesti é a marginalizada, é aquela vive de prostituição ou na criminalidade, todas as vulnerabilidades que a margem da sociedade provoca, não é mesmo?”, pontua. 

Fernanda acredita que a arte tem um potencial transformador e libertador. Ser professora na rede pública permite provocar a reflexão sobre os papéis de gênero não só em seus alunos, como também colaborar na desconstrução dentro de um padrão familiar. Esse papel lhe traz um senso de gratificação e aponta para a potência de unir esforço. "Ser mulher hoje é garantir o rompimento com esse sistema machista, sexista e patriarcal da sociedade brasileira. Ser mulher é ser resistência, é ser uma guerreira. Me sinto muito feliz em contemplar essa categoria que na verdade é maior - as mulheres, com todas suas interseccionalidades.”

Fernanda avalia que o momento traz uma necessidade de apoio e união. "A leveza vem da sororidade e da empatia, o ato de se colocar no lugar do outro, da outra. Isso fortalece o coletivo.” É importante lembrar que, quando travestis são assasinadas ou estupradas - especialmente no âmbito da prostituição - são culpabilizadas, como tantas vítimas de violência de gênero. "Então a gente compartilha essa luta.”.

"Nós estamos aqui pra dizer que a mulher tem direito a salários iguais, que ela tem direito ao voto, que ela pode ser mãe solteira e também pode não ter filhos. Que ela tem autonomia ao corpo dela e tem direito de escolha. Você não está sozinha, estamos juntas nessa.

Maria Fernanda Ribeiro Pereira compartilhou um pouco da sua história para somar na luta contra as violências de gênero. A ação faz parte dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, realizado pelo CRP SP sob o mote A Psicologia de faz em defesa de todas as mulheres..

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#PraTodosVerem Fernanda tem os cabelos lisos e castanhos, na altura dos ombros. Tem a pele morena, usa óculos de aros sem cor e veste uma blusa com estampa de flores grandes aplicadas em fundo branco. Fernanda está com fones de ouvido e, atrás dela, há uma parede branca.