Notícias


ECA 31 anos: A Psicologia é para todo mundo e se faz na promoção e na defesa dos direitos das crianças e adolescentes!


Publicado em: 13 de julho de 2021

Pela democracia, pela ética nas políticas públicas para crianças e adolescentes, pela prioridade absoluta e proteção integral! 

Há 31 anos, fruto da resistência democrática que leva o Brasil a uma nova Constituição Federal e em consonância à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989), foi construído o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Profissionais e juristas da época, atuantes no campo das infâncias e adolescências, garantiram ao ECA avanços significativos no sentido do que é direito. Dirimindo autoritarismos e sistemas punitivistas e de exclusão também organizados pela doutrina de proteção do “Menor em Situação Irregular” (1979), o ECA (Lei 8.069/90) se coloca em defesa do compromisso essencial do Estado e de toda a comunidade com a Doutrina da Proteção Integral de crianças e adolescentes, agora entendidos como sujeitos de direitos. 

Intensa mobilização popular resultou na Constituição Federal de 88, que em seus artigos 227 e 228 dispõe sobre garantias de direitos às crianças e às/aos adolescentes, sendo dois de seus princípios: 

  1. Crianças e adolescentes como prioridade absoluta, o que significa a necessidade de fortalecer a rede de proteção e a prioridade no atendimento das crianças e adolescentes, devendo traduzir-se em orçamento e políticas públicas de qualidade;
  2. Crianças e adolescentes como sujeito de direitos, pois são titulares de seus próprios direitos e devem participar das decisões sobre as questões que tocam suas vidas.

Tais princípios demandaram arcabouço prático e teórico para que pudessem ser garantidos e, atendendo à necessidade de os respeitarmos, embora ainda hoje se coloquem como desafios, construímos o ECA entre movimentos sociais, como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, associações, comissões, núcleos de base, militantes, centros de formação para educadoras/es de rua, Fórum DCA, Pastoral do Menor, possibilitando que crianças e adolescentes, em diálogo e formação junto às/aos adultas/os, a partir de suas muitas vozes e lugares, fossem reconhecidas/os como sujeitos de direitos. 

A Doutrina da Proteção Integral, em tese, superando a visão da doutrina da situação irregular e do menorismo, ao referir-se ao direito a ter direitos, cumpre princípios da Constituição Federal de 88 fundamentados a partir de dois vetores: a justiça social e a liberdade. Neste sentido, um importante direito que o ECA inaugura é à participação política – artigos 15 e 16 do ECA, Resoluções e orientações do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). É de suma importância considerar que crianças e adolescentes são sujeitos sociais ativos, conscientes de sua realidade e capazes de nela intervir e promover mudanças. Não devem ser reificados em menores tutelados desviantes do Estado, conforme previa a Doutrina da Situação Irregular, que os assujeitava à criminalização e punição em virtude, por exemplo, de sua condição de pobreza. A condição de sujeito de direito implica o reconhecimento de que crianças e adolescentes têm condições de exercer cidadania, participar, opinar, protagonizar ações e debates que dizem respeito aos seus próprios direitos. 

“É importante a participação conjunta de crianças, adultos e jovens porque estes vão estar representando as nossas classes, a classe pobre e a trabalhadora. A luta pelos direitos humanos não tem idade”. - Giovanny, 17 anos, integrante do NUCA Conexão (São Vicente)

No entanto, a conquista de direitos não se encerra pela promulgação da lei; ela é importante, mas não garante a igualdade de direitos e nem o deslocamento nas relações adultocêntricas. Certamente, houve avanços no que se refere à garantia de direitos, no entanto o ECA nunca foi respeitado e cumprido em sua integralidade. Especialmente desde 2016, convivemos com a fragilização do Sistema de Garantia de Direitos, importante articulador de políticas intersetoriais para as crianças e adolescentes, que além de sofrer brusco corte orçamentário em decorrência dos cortes nas políticas sociais (Emenda Constitucional 95, de 2016), também sofre alterações naquilo que produz o sentido do que é direito. 

Desta forma, temos convivido com acirramento de políticas que incidem na criminalização da pobreza de crianças e adolescentes; no “menorismo” que as exclui, as objetifica e as estigmatiza; na intenção de "ajustá-las" e "discipliná-las"; no escamoteamento da desigualdade social; na responsabilização individual por questões sociais; na patologização das famílias, crianças e adolescentes pobres.

Neste jogo, as crianças e as/os adolescentes pobres e, principalmente, pretas/os, continuam ocupando o lugar de potencialmente perigosas, periculosas, ignorantes e incapazes. Ainda convivemos com políticas marcadamente higienistas e punitivistas, enviesadas pela culpa individual acerca daquilo já consensuado como responsabilidades sociais (do Estado, da sociedade, da família), articulando o escamoteamento das desigualdades sociais pela vigilância moralizante e punição sobre o corpo da criança, da/o adolescente e de sua família.  

Neste sentido, faz-se necessário e inegociável que crianças e adolescentes ocupem espaços de participação política, pois só assim será possível que a política pública garanta o atendimento de suas reais necessidades e as respeite como sujeitos sócio-históricos, portanto políticos, e dotadas/os de saberes necessários ao exercício da promoção da ética na garantia de direitos e da democracia nas relações cotidianas. Visando a efetividade da ação de proteção, é condição democrática ampliar a participação nas políticas públicas dos sujeitos das políticas e das/os trabalhadoras/es que as executam. 

‘’Temos o direito de participar nas políticas públicas, nos expressar e dar nosso passos dentro desse espaço, porque os jovens precisam não só aprender mais sobre política, mas também expressar ideias e opiniões, é importante demais porque antigamente eles eram calados, silenciados sobre seus gostos e expressões e também pela vida deles.
Vários já se foram, mas muitos estão vindo, não é uma luta só do passado e do futuro, mas de agora mesmo, uma luta da nossa geração de gritar, de falar sobre feminismo, homofobia, racismo etc. E vão ter que aceitar isso porque, cara, o nosso tempo é agora e ninguém pode tirar ele da gente. Com certeza estamos sendo a juventude mais empática, que luta pelo direito do negro, do pobre, da mulher, do gay, etc.’’ - Lídia, 17 anos – integrante do NUCA Pedra que Canta (Itanhaém).

Enquanto profissionais da Psicologia, temos o compromisso fundamental de atuarmos a partir dos princípios que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em nossa prática, isso representa contribuirmos com a eliminação de quaisquer formas de dominação, exploração, crueldade, opressão e discriminação. No lugar daquela/e que contribui com espaços de promoção de saúde mediante realidades que produzem sofrimentos e aniquilam subjetividades e diversidades, a/o psicóloga/o deve se comprometer com a supressão de ideologias que reproduzem sistemas de exclusão, como lógicas menoristas e adultocentradas, contribuindo com a autonomia e força coletiva de crianças e adolescentes incidentes na participação e controle social nas e das ações do Estado naquilo que às suas vidas se refere. 

‘’É preciso dar um lugar de apoio e de escuta, porque o jovem nem sempre se sente escutado, nem sempre sente que as suas questões pessoais têm valor, que seus sentimentos tem valor, pois são ignorados. Estar no coletivo com outros jovens é muito bom, a gente apoia um ao outro, é claro que como qualquer lugar tem os seus problemas, mas só de pegar as dores um do outro e tentar buscar formas de solucionar e fazer um mundo melhor é gratificante.” -  Raphaela, 16 anos – integrante do NUCA Conexão  (São Vicente)  

“Esses espaços são muito importantes porque hoje em dia é  mais fácil se abrir com uma pessoa que não é de dentro de casa, da família. Os espaços coletivos são muito importantes pra garantir aprendizado, você se sentir confortável e ter apoio das pessoas pra você se sentir bem.” - Nicoly, 14 anos, integrante do NUCA Conexão (São Vicente)

É respeitoso e responsável lembrar que sempre houve movimentos de crianças e adolescentes pela promoção de seus direitos. Hoje, como uma força instituinte deste processo, citamos o Comitê de Participação de Adolescentes, conquistado por um dos Núcleos de Cidadania de Adolescentes no pleito do CMDCA de São Vicente, que nos ensina que podem, além de serem consultadas/os, deliberar sobre aquilo que promoverá sua dignidade. 

‘’Essa é uma conquista fundamental, porque fortalecemos os papéis sociais e o coletivo ganha espaço em lugares importantes, assim como no CMDCA e o NUCA, com os demais jovens, passam a ter voz ativa.” - Raiza, 20 anos, integrante do NUCA Conexão (São Vicente)

‘’É uma vitória que não é só de São Vicente, mas uma vitória de todo mundo junto, e é isso, mostrar coletividade, o problema é de todo mundo e coletivo. O NUCA (Núcleo de Cidadania de Adolescentes) não é sobre você e resolver sozinho e na pressão, é de todo mundo pra ajudar e apoiar. Mostrar aos jovens que não estão sozinhos, nos problemas e nas vitórias.” - Isabelli, 15 anos, integrante do NUCA Além da Praia (Praia Grande) 

‘’É necessário criar espaços que garantam os direitos de jovens e adolescentes devido aos números elevados de jovens que não trabalham e nem estudam, também dos que buscam oportunidades de empregos formais e não conseguem, então acabam migrando para os empregos informais. É possível e muito importante a construção de coletivos de jovens na cidade, visto que a união contribui para que lutem pelos seus direitos e os reivindiquem.” - Ingrid, 17 anos, integrante do NUCA Mongaguá. 

Incidindo na negação da dignidade humana e dos Direitos Humanos, hoje estamos diante de sistemáticas tentativas de enfraquecimento e fragilização de órgãos de formulação, deliberação e controle social das políticas públicas, como as investidas contra o CONANDA, junto a uma série de projetos de lei que buscam reduzir crianças e adolescentes a objetos incapazes, periculosos e patológicos. Um exemplo disso é o PL 3262/19, que visa suprimir a formação escolar de crianças e adolescentes, a substituindo pela “instrução” dentro de casa, comprometendo seu direito à educação e socialização com pares na escola, entre outras violações de direitos que aí incidirão. Um segundo exemplo é a destruição do Ensino Médio proposta pelo Estado, que acirra a precarização da formação digna, em nome de uma formação mais utilitarista, retirando inclusive a obrigação da contratação de professoras/es formadas/os para fazerem parte do processo escolar. Um terceiro exemplo, na cidade de São Paulo, é a tentativa de levar às/aos adolescentes um projeto de lei que, visando a prevenção da gravidez na adolescência, baliza-se por noções já superadas no campo da ciência e profissão, como a abstinência sexual. Outro exemplo é o Depoimento Especial e a Escuta Especializada que a criança imprime o lugar de produtora de provas criminais contra sua família, além de não oportunizar, em virtude do depoimento realizado, o acesso aos outros direitos. 

Por último, para salientar que desde a promulgação do ECA resistimos às investidas de desmonte, lembremos das tentativas de alteração do Artigo 228 da Constituição Federal de 1988 que, desde a PEC da maioridade penal de 1993, visa reduzir a idade mínima para a responsabilização penal de 18 para 16 anos. 

Estes são alguns poucos exemplos do desrespeito ao ECA, que em nome da proteção, representam retrocessos políticos, sociais e éticos. O que nos faz, nesta comemoração dos 31 anos do ECA, reforçar o compromisso ético-político do nosso fazer profissional diante destas pessoas que hoje vivem o período das infâncias e adolescências em suas vidas: pela participação política e democrática em nossas relações, pelos Direitos Humanos e pela ética nas políticas públicas para crianças e adolescentes! 

*Observação: os jovens inseridos nas citações do texto autorizaram a publicação de suas inserções e seus nomes. 

Acompanhe as mobilizações do CRP SP em torno da temática das crianças e das/os adolescentes lançadas desde o ano passado até este segundo semestre de 2021, com foco especial na memória dos conteúdos publicados na campanha “ECA + 30, a gente luta, a gente brinca”, na página especial clicando aqui.

#PraTodosVerem: nesta publicação há um card de fundo amarelo e com ilustrações nas cores roxo, azul, vermelho e amarelo de pessoas diversas segurando cartazes, protestando.