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Manifesto sobre o Uso da Linguagem Neutra do CRP SP


Publicado em: 4 de novembro de 2021

Este manifesto surge das demandas e discussões estaduais sobre o uso da linguagem neutra. Reconhecemos que o debate ainda é incipiente no Sistema Conselhos de Psicologia e que, majoritariamente, ainda não utilizamos a linguagem neutra em nossos comunicados, documentos e publicações. Contudo, salientamos a importância de refletirmos sobre o assunto, de modo que esperamos, com esta manifesto, introduzir o tema à categoria profissional e à população, bem como defender a importância e o uso da linguagem neutra, fomentando outras possíveis ações.

Vale lembrar que o tema é consoante não apenas com os movimentos coletivos em prol de uma sociedade mais inclusiva e respeitosa, mas também com o nosso Código de Ética Profissional, a Resolução 08/2020, que estabelece normas de exercício profissional da Psicologia em relação às violências de gênero, e a Resolução 01/2018, do Conselho Federal de Psicologia, quando estabelecem a defesa intransigente dos Direitos Humanos, a promoção de saúde e qualidade de vida e o combate a quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Algumas ações já têm sido realizadas pelos Conselhos de Psicologia. Como exemplo, citamos a Nota sobre o Dia da Visibilidade Trans Não Binárie¹, elaborada pelo Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais em parceria com o Coletivo Trans Não-Binárie e publicada, em 2021, no Dia da Visibilidade Não-Binárie (14/07), além da Roda de Conversa "Visibilidade não binárie e linguagem neutra", promovida pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, subsede Vale do Paraíba e Litoral Norte, em 28/07/2021. 

Recordamos também que diversas pessoas transvestigêneres desenvolvem conteúdos sobre linguagem neutra. Há cursos como o desenvolvido por Jupitter Pimentel com introdução à linguagem neutra, vídeos sobre o assunto no canal do YouTube de Jonas Maria, outros materiais como o Manual de Linguagem Neutra desenvolvido por Gioni Caê Almeida, cards informativos com aplicações simples desenvolvidos por Mar Facciolla, o Coletivo Trans Não-Binárie, que além de produzir conteúdo digital, também organiza encontros quinzenais de escuta em grupo, e o Coletivo Rexistência Não-Binária, um dos primeiros coletivos brasileiros a produzir conteúdo sobre não binariedade.

Perceber que ainda vivemos numa sociedade que violenta e apaga as pessoas  LGBTQIAP+ sugere uma mudança estrutural, o que, a nosso ver, necessariamente engloba uma linguagem não violenta, inclusiva e representativa, que permita a construção de uma realidade equânime, respeitosa, solidária e que não contribua para a invisibilização e desrespeito de populações historicamente marginalizadas. Assim, defendemos que a língua, como conduta sócio-humana, se altera e se ressignifica como resultado das lutas e transformações sociais.

Sabemos que o uso da linguagem neutra pode ser difícil a princípio, como qualquer coisa que começamos a aprender. Porém, recomendamos que uma boa forma de iniciar sua utilização é se apropriando de palavras que já são neutras, como “pessoa”, “colega”, “profissional”, “amizade”, “estudante” entre outras, tornando a linguagem mais aplicável no dia a dia.

Outras alternativas são possíveis. Como a utilização de “e” no fim de adjetivos, como “amigue”, “psicólogue”, “professore” etc. Note que a neutralização ocorre somente em palavras generificadas, então não se neutralizam substantivos, o que é um erro comum que ocorre nas redes sociais e acaba sendo forma de chacota e desvalorização da pauta.

O sistema gramatical “elu”² é uma alternativa aos pronomes binários “ele” e “ela”. É o termo mais difundido dentro e fora da comunidade não binárie. Para utilizá-lo é só trocar o pronome binário por “elu” e concordar gramaticalmente as palavras generificadas na frase. Um exemplo é a transformação de “Elas estão se preparando para o evento” em “Elus estão se preparando para o evento”. Perceba que a única palavra alterada foi o pronome pessoal “ela” por “elu”.

É importante se atentar à concordância de gênero na frase. Não há sentido em neutralizar o pronome e binarizar os adjetivos. Em vez de “Elu é psicólogo”, utilize “Elu é psicólogue”.

Como a identidade de gênero é autodeclarada, o uso da linguagem também é. Nem todas as pessoas não bináries utilizam a linguagem neutra para se referirem a si mesmas. Uma boa prática é perguntar por quais pronomes as pessoas gostariam de ser chamadas e naturalizar o uso deles também com todas as pessoas trans ou não. Um exemplo de como fazer é “como devo chamar você?” ou “quais pronomes devo usar com você?”.

Assim, finalizamos este manifesto com um convite para que a categoria profissional e sociedade reflitam sobre algo tão fundamental em nossas relações, como é a linguagem. Esperamos, com isso, somar na legitimação da luta dos movimentos de defesa do uso da linguagem neutra, por compreendermos não ser possível qualidade de vida, tampouco uma sociedade justa e democrática, enquanto houver pessoas sendo invisibilizadas e desrespeitadas.

¹ É possível encontrar tanto o termo “não binárie”, proposto a partir da reafirmação de um posicionamento político e da linguagem neutra, como o termo “não binária”, que, neste caso, concorda gramaticalmente com o vocábulo “pessoa”.

² Aqui optamos por utilizar o conjunto gramatical “elu”, porém há outros conjuntos possíveis socialmente, como “Ile”, por exemplo.

#PraTodosVerem: Nesta publicação, há um card em tons de roxo e amarelo. No centro, há ilustrações de duas nuvens que se encontram, envoltos pelos pronomes (ela, dela, ele, dele, elu, delu)


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