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25 de julho – nós, mulheres negras, resistimos!


Publicado em: 25 de julho de 2023
Fonte: CRP SP
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

Há 31 anos foi realizado o I Encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e do Caribe, na República Dominicana. Nesse Encontro, estiveram presentes cerca de 400 mulheres de 32 países, durante os dias 19 a 25 de julho de 1992. Foi fundada, no último dia do evento, a Rede Afro: Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora. E no mesmo dia foi criado o Dia Internacional da Mulher Afro-latino-americana e Afro-caribenha.

No Brasil, a Lei n. º 12.987 de 02 de junho de 2014, instituiu o Dia Nacional da Mulher Negra e de Tereza de Benguela, também em 25 de julho, reconhecendo a importância das mulheres negras para o país.

Destacamos duas mulheres negras que são referências, tanto pelo pioneirismo de estudar as relações raciais do ponto de vista da psicanálise quanto à contemporaneidade de analisar a transexualidade e a opressão heteronormativa.

 

A pioneira Virgínia Leone Bicudo (1915 – 2003)

A psicanalista Virgínia Bicudo foi precursora na academia da discussão sobre o racismo. E a primeira brasileira credenciada pela Associação Internacional de Psicanálise. Sua tese: “Estudo das Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em São Paulo”, foi defendida na Escola Livre de Sociologia e Política, em 1945. Presidiu o Instituto de Psicanálise e foi uma das criadoras do Jornal da Psicanálise e da Revista Brasileira de Psicanálise.

Ela foi essencial na difusão social da psicanálise brasileira, aproximando o estudo sócio psicológico das atitudes raciais do projeto Unesco à uma visão psicanalítica, se atentando aos mecanismos psíquicos das interações sociais entre bancos e negros, tais como a racionalização, a introjeção e o recalcamento.

Para Virgínia, a psicanálise possibilita a captação de tensões implícitas nas relações raciais que não vem à tona em opiniões expressas pelos indivíduos. Dessa maneira, ela observa que a suposta relação harmoniosa entre brancos e negros depende do recalcamento dos sentimentos dos brancos em relação aos grupos minoritários, tornando os brancos como auto-referentes nas suas escolhas de rejeição e referência. Assim, em relação ao branco, a postura ambivalente do negro, o torna objeto a um só tempo de seu amor e ressentimento, contribuindo para a “inibição da consciência grupal” e para a “idealização do branco”:

“Se conseguíamos definir os mecanismos psicológicos pelos quais os indivíduos se ajustavam, éramos forçados a depreender em função de que condições se estabeleciam. Parece-nos legítima a possibilidade de conhecerem-se até certo ponto as atitudes raciais de um grupo étnico, através das reações de outro grupo com o qual interaja. Fomos, pois, conduzidos a formular hipóteses sobre as imposições sociais decorrentes da estrutura social, o que equivale a dizer que também procuramos nas atitudes de pretos e mulatos o reflexo da atitude dos brancos”. (Bicudo, 2010[1]:157).

 

Mulher negra e transexual: Jaqueline Gomes de Jesus (1978)

A psicóloga Jaqueline Gomes de Jesus, é professora do Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS/FIOCRUZ) e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PROFHISTÓRIA/UFRRJ), Jaqueline também coordena o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas – NEABI do IFRJ Campus Belford Roxo. E é Presidenta da ABETH – Associação Brasileira de Estudos da Trans-Homocultura.

Integra a Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CDH/CFP), é membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) e recebeu a Medalha Chiquinha Gonzaga, concedida pela Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro a mulheres com reconhecidas contribuições à sociedade, das mãos da Vereadora Marielle Franco, em 2017.

Em sua tese de doutorado intitulada: O protesto na Festa: Política e Carnavalização nas Paradas do Orgulho de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) ela fala sobre o enfrentamento ao “heterocentrismo”:

“Considera-se estratégico enfrentar, com discursos e contra-discursos subsidiados tanto na vivência da diversidade intrínseca à comunidade LGBT quanto nos conhecimentos acumulados cientificamente, aquilo que denomino como ‘heterocentrismo’, que seria toda a forma de perceber e categorizar o universo das orientações sexuais, e das identidades de gênero, a partir de uma ótica centrada em uma heterossexualidade estereotipada dominante”. (GOMES, 2010: p. 166)

Ela também é autora do Guia técnico sobre pessoas transexuais, travestis e demais transgêneros, para formadores de opinião. No qual ela fala sobre a coragem de ser quem se é:

“Pessoas que se identificam com alguma das expressões da transgeneralidade enfrentam um primeiro desafio: reconhecer a si mesmas e fazer decisões pessoais sobre se e quando irão se apresentar aos outros da forma como se identificam. Cada um(a) tem o seu tempo. É preciso compreender que essa atitude não é simples de se tomar, nem fácil de pôr em prática, porém é necessária, para que elas possam ser quem são por inteiro, entre seus amigos, na família, no trabalho, na rua.”

 

*A frase "Eu mulher negra, resisto!" é a de Alzira Rufino, fundadora da Casa de Cultura da Mulher Negra, em Santos.

[1] BICUDO, Virgínia L. Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. Edição organizada por MAIO, Marcos C. São Paulo, Sociologia e Política, 2010.

 


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