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ORIENTAÇÕES PARA A PROFISSÃO E A LUTA CONTRA OS RETROCESSOS



Publicado em: 30 de junho de 2008

Conjunto de resoluções aprovado no triênio ajuda a qualificar – e atualizar – o trabalho das/os psicólogas/os e reforça compromissos com os direitos humanos

“O Sistema Conselhos tem como princípio fundamental o de que qualquer trabalho, de que qualquer prática, dentro da Psicologia, deve ser conduzido à luz dos Direitos Humanos, e atuar tendo isso em mente é uma de nossas principais responsabilidades enquanto profissionais”, defende Rodrigo Toledo, conselheiro do CRP SP. E é no sentido de reforçar essa aspiração que, anualmente, os Conselhos Federal e/ou Regional de Psicologia discutem, elaboram e tornam públicas resoluções que orientam a prática profissional. O conjunto delas, lançado no último triênio, revela o comprometimento da categoria e o fato de ela ir contra o avanço de propostas que podem representar retrocessos em relação a conquistas que levaram anos (quiçá décadas) para se efetivarem (ainda que muitas, parcialmente) no Brasil. “Hoje, evidentemente, existem pressões da estrutura macro sobre os Conselhos, incluindo os de Psicologia, e há vários pontos que defendemos e estão sendo atacados, mesmo no campo jurídico”, pondera Toledo, para quem o simples fato de as decisões das/dos Psicólogas/os serem tomadas de forma colegiada contraria tendências conservadoras e/ ou retrógradas que (re)aparecem com força no País.ta edição do jornal celebra o fim de uma inten-sa jornada de três anos da Gestão 2016-2019 do CRP SP. Também marca o momento de avalia-ção do caminho percorrido até aqui, pontuando os avanços possíveis e os desafios frente ao momen-to de retrocessos nos direitos sociais e humanos que vivemos.

“Como Conselho, temos como finalidades orientar, disciplinar e fiscalizar as/os psicólogas/os. O conjunto de novas resoluções tange essas ‘obrigações’. Nós as difundimos, primeiramente, por meio de um forte trabalho para informar as/os profissionais, ao produzirmos materiais ou promovermos eventos, encontros e debates sobre resoluções e as necessidades de atualização. Mas há um trabalho tão ou mais importante que esse, que é realizado pela própria categoria, espontaneamente: as/os psicólogas/os buscam o CRP SP para ampliar seu entendimento sobre as novidades, têm interesse em saber, para qualificarem e regularem o seu próprio trabalho”, explica Toledo.

Entre as resoluções que emergiram nos últimos três anos nos âmbitos do CFP e CRP SP, ele destaca quatro. Primeiramente, a CFP nº 010 /2017, que instituiu a Política de Orientação e Fiscalização do Sistema Conselhos de Psicologia. A normativa “dispõe sobre diretrizes e procedimentos da área, notadamente a estrutura e funcionamento dos órgãos do Conselho responsáveis por essas tarefas, e as atividades a eles inerentes”. A ideia foi estabelecer características fundamentais que esses órgãos, independentemente do CRP em que for instituído, devem adotar, sem, no entanto, deixar de assegurar alguma flexibilidade para que, em cada região, possam ser respeitadas idiossincrasias locais. Nas comissões atuam psicólogas/os que, como representantes legais do CRP, acumulam tarefas que incluem desde responder a questões enviadas por suas/seus colegas para dirimir dúvidas a inspecionar o exercício da Psicologia e efetuar diligências para obter informações acerca do teor de uma representação e elementos de prova, ou até averiguar indícios de infração. (Para saber mais, veja matéria à página 12).

Outra resolução aprovada no último triênio – que ganhou destaque inclusive nos canais midiáticos de grande porte – foi a referente ao emprego de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) para o atendimento psicológico. “A CFP 11/2018 é relevante em razão de não ser possível desconsiderar o processo de transformação tecnológica que estamos vivendo. Ela abre
caminho para atendermos mais pessoas, em diversos lugares, mesmo os mais remotos, e estabelece parâmetros para garantir também a qualidade dessa prestação deste serviço”, explica Toledo. A medida estabelece, por exemplo, que a/o psicóloga/o deve, necessariamente, especificar quais recursos serão utilizados para garantir o sigilo das informações de suas/seus clientes. Dita, ainda, a necessidade de as/os interessadas/os em atender remotamente cadastrarem-se no Conselho Regional de Psicologia para obter autorização a partir de uma análise de aspectos éticos, técnicos e administrativos – quem não realiza esse procedimento comete falta disciplinar. Só no estado de São Paulo, o cadastramento já foi feito/solicitado por mais de 4,5 mil psicólogas/os.

Além disso, o documento veda o emprego das TICs em alguns casos. Por exemplo: continua obrigatório o atendimento presencial a pessoas e grupos em situações de emergência e desastres ou em casos de violação de direitos ou de violência. A Resolução também determina que a prestação de serviços psicológicos à distância deverá respeitar as especificidades e adequação de métodos e instrumentos necessários para pessoas com deficiência, conforme previsto em lei, um tema caro ao Sistema Conselhos.

Gênero

Gênero é outro tema a que os Conselhos Federal e Regional de Psicologia, ao longo do triênio, continuaram a dar ampla atenção. Para além das campanhas desenvolvidas sobre ele, duas resoluções focam-no diretamente. A CFP 01/2018, divulgada em janeiro do ano passado, estabelece que “as psicólogas e os psicólogos, em sua prática profissional, atuarão segundo os princípios éticos da profissão, contribuindo com o seu conhecimento para uma reflexão voltada à eliminação da transfobia e do preconceito em relação às pessoas transexuais e travestis”. O documento foi redigido em linha com o que preconizam a Constituição Federal de 1988, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os princípios sobre a aplicação da legislação internacional em relação à orientação sexual e identidade de gênero da Convenção de Yogyakarta (2006), os resultados da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (de 2013), e o Código de Ética Profissional das Psicólogas e dos Psicólogos. O texto destaca que, como possibilidades da existência humana, expressões e identidades de gênero não devem ser compreendidas como psicopatologias, transtornos mentais, desvios e/ou inadequações. Também critica a cisnormatividade em razão da exclusão, patologização e violência sofridas por pessoas que não expressam e/ou não possuem identidade de gênero concordante com aquela designada no nascimento, e defende a autodeterminação.  

A partir dessas diretrizes, a CFP 01/2018 resolve que psicólogas/os devem atuar em favor da eliminação da transfobia e do preconceito em relação às pessoas transexuais e travestis. Psicólogas/os não devem praticar qualquer ação que favoreça a discriminação ou o preconceito, bem como não serão coniventes nem se omitirão diante de casos desse tipo. Estabelece ainda que as/os profissionais não devem valer-se de instrumentos e técnicas da área para manter ou reforçar preconceitos, estigmas, estereótipos, etc., e não participarão de pronunciamentos, inclusive nos meios de comunicação e internet, que legitimem ou reforcem essas características. Finalmente, em um tempo em que surgem discursos – e tentativas de práticas – sobre “Cura Gay”, a Resolução veda, às psicólogas e aos psicólogos, propor, realizar ou colaborar, sob uma perspectiva patologizante em suas práticas, com eventos ou serviços privados, públicos, institucionais, comunitários ou promocionais que visem terapias de conversão, reversão, readequação ou reorientação de identidade de gênero das pessoas transexuais e travestis. 

Soma-se à CFP 01/2018 outra resolução, publicada em março do ano passado. “A CFP 10/2018 trata da inserção do nome social da/do psicóloga/o na carteira profissional (CIP), bem como em atos e procedimentos promovidos pelos Conselhos Federal e/ou Regionais de Psicologia (CRP). Antes, o nome civil aparecia em destaque. Agora, pode-se inverter isso, ou seja, se o profissional desejar, pode colocar em evidência seu nome social. A solicitação da inclusão do nome social deve ser feita
por escrito e encaminhada ao CRP, a partir de quando aparecerá em evidência não apenas na CIP, mas também nos sistemas informatizados dos Conselhos Federal e Regionais. Nos processos administrativos em que é imprescindível o uso do nome civil também passa a constar, primeiramente, o nome social, seguido da inscrição “registrada(o) civilmente como”. Para muitos, pode parecer uma simples medida administrativa, mas para transexuais e travestis a mudança é das mais relevantes. Trata-se de um reconhecimento do Sistema Conselhos à autodeterminação das/dos profissionais da categoria”, pondera Toledo.

No triênio, o CFP lançou 21 Resoluções, e o CRP SP outras oito. Elas podem ser conferidas, na íntegra, no site do Conselho Regional de Psicologia (CRP SP)