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Contra o capacitismo e pela acessibilidade



Publicado em: 30 de setembro de 2011

Oficinas em todo o estado de São Paulo sensibilizaram e orientaram
sobre preconceitos e desafios enfrentados por Pessoas com Deficiência

O desconhecimento sobre o que significa “capacitismo”, também por parte de número significativo de psicólogas/os e trabalhadoras/es vinculadas/os ao Conselho Regional de São Paulo, é argumento suficiente para justificar as Oficinas Modelo Social de Deficiência realizadas ao longo dos últimos meses em todas as unidades da entidade. “Temos como meta erradicar qualquer tipo de preconceito. E o capacitismo é aquele contra pessoas com deficiência. Podemos fazer um paralelo entre ele e o racismo estrutural, pois também é bastante presente na sociedade e muitos desconhecem suas implicações, seus efeitos psicossociais. Promovemos várias ações com o objetivo de eliminar barreiras físicas e atitudinais que limitam a participação das – ou afastam as – Pessoas com Deficiência, e as Oficinas foram mais uma forma de tratar do tema e contribuir para avançarmos”, define Mirnamar Pinto da Fonseca Pagliuso, coordenadora do Núcleo de Defesa de Direitos: Psicologia e Deficiência. 

O conceito de “capacitismo” foi um dos principais assuntos abordados e debatidos ao longo das edições dos eventos, conduzidos por uma consultoria especializada contratada para levar mais conhecimento e sensibilizar os participantes a respeito. “As oficinas foram um excelente espaço para o debate e para alinhar todo mundo, criar uma base, um ponto de partida em comum para todas as pessoas do CRP sobre o tema e outros aspectos relacionados a ele. Foi muito importante para pensarmos inclusive no quanto estamos ou não preparados, em termos de estrutura física ou recursos humanos, para prestar um bom atendimento às pessoas com deficiência”, avalia Karen Meira Dotto, supervisora da Comissão de Orientação e Fiscalização, que integrou a atividade na sede do CRP em São Paulo. 

A psicóloga Mírian Carolina Valente Ferreira, colaboradora do Conselho e pesquisadora sobre o tema da deficiência, que participou da Oficina em Bauru, menciona que mesmo que no Brasil já exista uma legislação referente ao capacitismo, ele ainda é uma incógnita para muitas/os, incluindo as/os profissionais da área. “Nesse sentido, os eventos foram muito importantes ao colocarem pessoas pela primeira vez em contato com essa realidade. Foi uma atividade que promoveu muito a reflexão sobre como o capacitismo está presente na sociedade e se insere em práticas que, às vezes, pensamos que não se relacionam a ele”, avalia. As oficinas foram ricas por casarem perfeitamente partes teóricas com exercícios práticos e lúdicos. “Um exemplo banal, que muitos deixam passar: achar que ao chamar uma pessoa com deficiência de “anjo iluminado” estão fazendo um elogio, quando na verdade a estão desumanizando. Isso é um claro exemplo de capacitismo não percebido. Os frutos dessas oficinas, assim como de outras atividades, certamente aparecerão de diversas formas ao longo do tempo”, considera Mírian, para quem a escolha da expressão “Modelo Social de Deficiência” também foi adequada para tratar o tema. Ele refere-se a um conceito que reflete entendimentos compartilhados pela maior parte das/ dos psicólogas/os, e é um contraponto ao denominado “Modelo Médico”, ao tratar a deficiência como uma construção social, e não um problema de uma pessoa, de um indivíduo. “O Modelo Social defende uma perspectiva não patologizante ou de medicalização”, resume Mirnamar.  

Para Ivana do Carmo Souza, conselheira do CRP SP e coordenadora na Subsede Sorocaba, eventos como as oficinas sobre Modelo Social de Deficiência ajudam a mudar mentalidades e a promover novas atitudes que parecem pequenas, mas não são, como as de um emprego correto do vocabulário. “O capacistismo reverbera em nossas falas, inclusive. Do mesmo jeito que no CRP trabalhamos para eliminar palavras racistas, precisamos focar naquelas que realçam o preconceito em relação às pessoas com deficiência”, avalia. 

Dentre as formadoras das oficinas há uma psicóloga surda, o que possibilita trocas mais significativas sobre a vivência, as dificuldades e os preconceitos oriundos do capacitismo. “É importante transmitir mensagens e conhecimentos. Além disso, percebemos o quão importante é prover recursos necessários. No caso, conhecemos um novo equipamento, utilizado para que ela pudesse participar e conduzir as atividades”, diz Ivana, em uma referência ao uso da estenotipia para a participação da instrutora Anita Gonçalves. 

Adaptações

Além de abordar o capacitismo e o Modelo Social de Deficiência, as oficinas trouxeram à luz temas das Sete Dimensões da Acessibilidade, Acessibilidade atitudinal e comunicacional e Desenho Universal (veja ao lado as definições). A atividade – com oito horas de duração – também despertou as/os participantes para um olhar mais atento em relação às instalações físicas da sede e das subsedes do CRP, que devem estar cada vez mais bem preparadas para atender a esse público. Em Sorocaba, onde o Conselho adquiriu um imóvel para abrigar a unidade, várias reformas foram feitas para deixá-la apta a receber todas as pessoas, com acessibilidade universal, sejam psicólogas/os ou não. “Foram várias as lições. Até mesmo sobre como abordar uma pessoa com deficiência e o fato de quão importante é, sempre, perguntar para ela se ela quer ajuda e como devemos fazer para auxiliá-las, em lugar de tentar assumir que sabemos o que é melhor para elas. Outra lição importante foi a de que não devemos generalizar as condições das pessoas. Por exemplo: dois surdos podem ter necessidades e capacidades muito diversas entre si”, explica Karen, para quem as oficinas são importantes para multiplicar os conhecimentos, sensibilizar e orientar as pessoas. 

Libras
Outra ação de destaque em favor da inclusão foi a oferta de capacitação em Linguagem Brasileira de Sinais a
funcionárias/os e conselheiras/os do CRP SP. Na capital, o curso transcorreu ao longo de seis meses, quando duas
vezes por semana as/os profissionais puderam aprender Libras. “O curso chegou ao nível intermediário e espero que
possamos ter mais. É muito interessante aprender esse idioma, assim como ter condições de praticá-lo. Como acontece
com línguas estrangeiras, se não utilizamos no dia a dia, podemos acabar esquecendo”, observa Karen Dotto, que
participou das aulas. Hoje, ela diz, consegue manter uma conversação básica com pessoas com deficiência auditiva e
busca manter os saberes adquiridos “frescos na memória” por meio de exercícios como reduzir o volume da televisão e
acompanhar os intérpretes de sinais. A contratação de intérpretes de Libras, aliás, passou a ser uma prática adotada
pelo CRP em todos os eventos realizados.

 

Participação

Em relação às demandas pendentes e à satisfação das pessoas com deficiência que frequentam o CRP, Mirnamar diz que há o costume de ouvi-las, receber suas queixas e elogios, e que isso serve como base para medidas práticas, bem como para a formatação de ações como as oficinas. “Temos muito o que avançar ainda em alguns aspectos, incluindo, por exemplo, uma confecção mais adequada de nossos materiais informativos”, diz. A coordenadora no Núcleo de Defesa de Direitos: Psicologia e Deficiência acrescenta ainda que, ao longo dos últimos anos, o órgão tem tratado de atrair pessoas com deficiência para integrá-lo. “Esperamos, profundamente, que as pessoas com deficiência possam estar mais presentes no CRP para que consigamos desenvolver e/ou dar continuidade às ações com mais eficiência”, diz. Outro ponto em que ainda é preciso avançar, segundo ela, é no sentido de ampliar o número de pesquisas dedicadas ao tema da deficiência. Ele está crescendo, mas ainda é incipiente. Isso tudo é relevante para de fato contribuirmos com uma transformação da realidade das pessoas com deficiência” finaliza. 

O que é capacitismo? Como identificá-lo?

Capacitismo refere-se a todas as formas de discriminação, estigmas e estereótipos em relação a pessoas com deficiência, como o equívoco de considerá-las/os super-heroínas/heróis, exemplos de superação ou, na outra ponta, coitadinhas/os, dignas/os de pena, vítimas da “triste condição” de ser uma pessoa com deficiência.

As sete dimensões da acessibilidade

Elas referem-se às barreiras que inibem a participação e integração de Pessoas com Deficiência e que precisam ser pensadas para serem eliminadas. São elas:
1. Arquitetônica: barreiras em espaços e prédios públicos e
privados.
2. Atitudinal: barreiras culturais, preconceitos e estigmas.
3. Comunicacional: obstáculos na comunicação interpessoal.
4. Metodológica: obstáculos nos métodos, técnicas e processos de trabalho.
5. Instrumental: barreiras nas ferramentas e instrumentos de trabalho.
6. Programática: obstáculos invisíveis existentes em legislações, normas e regulamentos.
7. Natural: barreiras e obstáculos da natureza.

Fonte: material elaborado pela Diversitas – Soluções Inclusivas

 

Modelo social x Modelo médico

“O Modelo Social da Deficiência estruturou-se em oposição ao Modelo Médico da Deficiência, que reconhece na lesão, na doença ou na limitação física a causa primeira da desigualdade social e das desvantagens vivenciadas pelas/os deficientes, ignorando o papel das estruturas sociais para a sua opressão e marginalização.
Entre o Modelo Social e o Modelo Médico há diferença na lógica de causalidade da deficiência. Para o Modelo Social, sua causa está na estrutura social. Para o Modelo Médico, no indivíduo.
Em síntese, a ideia básica do Modelo Social é que a deficiência não deve ser entendida como um problema individual, mas uma questão da vida em sociedade, o que transfere a responsabilidade pelas desvantagens das limitações corporais do indivíduo para a incapacidade da sociedade em prever e se ajustar à diversidade”. (BAMPI, L.; GUILHEM, D.; ALVES, E. Modelo social: uma nova abordagem para o tema deficiência . Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 18, n. 4, p. 816-823, 1 ago. 2010.)