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Usuários e trabalhadores de saúde mental se mobilizam em todo o estado de SP


Publicado em: 25 de maio de 2012
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

Usuários e trabalhadores de saúde mental se mobilizam em todo o estado de SP Construído a partir da Reforma Psiquiátrica, o modelo antimanicomial é baseado em pressupostos que garantem outro conjunto de serviços, alternativo ao modo de isolamento e de violações aos direitos humanos. Esses serviços, defendidos inclusive pela Organização Mundial da Saúde, defende que as pessoas não sejam retiradas do seu convívio social, prevendo diferentes formas de intervenção, realizadas conforme a intensidade do sofrimento e das respostas sociais que o indivíduo com transtornos mentais apresenta. Nesse contexto, a internação é sempre um recurso utilizado após uma série de outras ações. A política brasileira de saúde mental é considerada modelo para outros países, pois prevê serviços como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Centros de Convivência, Residências Terapêuticas, leitos psiquiátricos em Hospitais Gerais, consultórios na rua e outras modalidades de atendimento inseridas na comunidade e de portas abertas. No entanto, a política estadual não vem cumprindo o que está previsto na Reforma Psiquiátrica. Para mobilizar a população e chamar a atenção para o assunto, desde 1998, o CRP SP, em conjunto com diversas outras entidades, organiza a Semana da Luta Antimanicomial. Em 2012, diversas atividades colocaram o assunto na ordem do dia, na capital e no interior. Usuários, militantes e trabalhadores da saúde mental ocuparam as ruas e participaram de diversos eventos para dizer: Loucura não se prende, saúde não se vende. Confira os principais temas discutidos em algumas das atividades promovidas pelo CRP SP na cidade de São Paulo: Balanço das Políticas de Saúde Mental e Juventude nas Fronteiras Psi-Jurídicas O evento, que aconteceu em 14 de maio no campus Consolação da PUC SP, reuniu cerca de 250 pessoas para discutir as questões que permeiam as políticas de saúde mental do sistema socioeducativo e as práticas de internamento compulsório de jovens autores de atos infracionais. Trabalhadores da Psicologia e do Judiciário debateram alternativas de atendimento voltados à essa juventude. A questão do diagnóstico é fundamental. O adolescente com transtorno mental deve ser atendido em equipamentos que possuem estrutura para isso. A Fundação CASA (antiga FEBEM) tem enorme dificuldade em lidar com isso, afirmou Décio Perroni Ribeiro Filho, da Superintendência de Saúde da Fundação CASA. Para Maria de Fátima Pereira da Costa e Silva, Juíza de Direito e membro da Coordenadoria de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, o tema é espinhoso e polêmico, mas deve ser encarado de frente; assim como o Judiciário necessita incorporar e entender estas questões nos julgamentos. Ela afirmou que casos de jovens diagnosticados com esquizofrenia e psicose foram cuidados com o surgimento dos CAPS, mas que, com o passar dos anos e a falta de investimento nestas instituições, estes casos voltaram a aumentar. Daí a necessidade de uma rede de atendimento forte e articulada. Além do diagnóstico ser feito periodicamente, afirmou. Durante o evento, cartas escritas pelos jovens internados compulsoriamente na Unidade Experimental de Saúde foram lidas e compartilhadas com o público. Inclusive, o funcionamento ocioso das UES também foi discutido na atividade. Projetada em 2006 para atender jovens da antiga FEBEM etiquetados como portadores de conduta anti-social, a UES, segundo, Rafael Bernardón Ribeiro, psiquiatra que foi diretor da UES, mas que hoje atua na função de gestão política da UES na Secretaria do Estado da Saúde, tinha, em sua proposta origina, ser um modelo com contexto de lar para estes jovens. Porém, para Tatiane Cardoso, integrante do grupo de trabalho Intervenções Exemplares da Associação Nacional do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, a UES é uma estratégia para prolongar e perpetuar a privação de liberdade por meio de uma medida de segurança para quem comete infração na adolescência com o intuito claro de burlar o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Para mim a UES é uma unidade penal e não de saúde, porque não há nenhuma ligação com o SUS. Além disso, agentes penitenciários em unidade de saúde é irregular e ilegal e viola os tratados internacionais de direitos humanos, criticou Tatiane. O público presente, em suas intervenções durante o debate, teve uma pergunta constante: quais as políticas públicas oferecidas pelo governo a estes jovens, antes deles cometerem o ato infracional? O juiz Haroldo Caetano, promotor do estado de Goiás e idealizador do PAILI (Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator), afirmou que todo o passado de negação de direitos por parte do estado à esta juventude é esquecida quando ele comete algum crime e que socializar e educar pela prisão, mediante a pedagogia do isolamento, é a solução hipócrita, encontrada pelo país para tratar o questão. A internação e o isolamento são práticas cotidianas no Brasil. O CRP SP é o protagonista destas importantes discussões sobre o encarceramento de pessoas, disse. Lançamento do livro Álcool e Outras Drogas A atividade, que marcou o lançamento da publicação Álcool e Outras Drogas (inaugurando o selo Em Debates), aconteceu em 16 de maio e também integrou a programação da Semana da Luta Antimanicomial. O antropólogo Maurício Fiore e o usuário de Saúde Mental e integrante da AMAE (Associação Metamorfose Ambulante do Sistema de Saúde Mental do Estado da Bahia), Josueliton de Jesus dos Santos, participaram do discussão sobre álcool e direitos humanos. Cerca de 100 pessoas estiveram presentes no auditório da sede do CRP SP para prestigiar o lançamento e as discussões. Na abertura do evento, a Conselheira Marilia Capponi e uma das organizadoras da publicação, destacou a importância da discussão do tema. O que pensamos não tem espaço na mídia como as ideias conservadoras têm. Por isso, decidimos organizar um livro, com textos de pessoas que estão no cotidiano das práticas, para publicizar nossas posições progressistas sobre o assunto, sempre permeado pela perspectiva dos direitos humanos. A publicação é uma contribuição para o debate responsável, quebra de estigmas e preconceitos que envolvem o tema, afirmou. Para Maurício Fiore, apesar da Psicologia ter um grande potencial na discussão das distintas nuances do assunto, o debate público ainda é pequeno, mas que a iniciativa do livro veio completar essa lacuna. Ele também afirmou que os governos se esquecem que o que deve ser combatido não são as pessoas, mas as drogas. Na hora de tratar do problema, os governos se esquecem das pessoas. Quem mais sofre com a chamada Guerras às Drogas são as populações socialmente mais vulneráveis, destacou. Já Josueliton de Jesus Santos, usuário de Saúde Mental e integrante da AMAE (Associação Metamorfose Ambulante do Sistema de Saúde Mental do Estado da Bahia), defendeu a redução de danos como prática de cuidado, de forma a respeitar as escolhas individuais; para ele que o contexto social em que o usuário de álcool e outras drogas está inserido é fundamental para a compreensão do assunto. O cuidado é o empoderamento que o Estado precisa promover. Os estigmas são paradigmas impregnados em cada um de nós. Josueliton destacou ainda que a ainda que epidemia não é o crack, mas o consumo desenfreado de álcool. Manifestação Pública Mais de mil pessoas, entre usuários da saúde mental, trabalhadores da saúde e representantes de movimentos e entidades que apóiam a Luta Antimanicomial, ocuparam a Avenida Paulista, em São Paulo para mostrar à toda a sociedade que a movimento segue firme e forte no estado de São Paulo. Três eixos foram trabalhados na manifestação: a privatização da saúde, o sub-financiamento da saúde mental em todo o estado, e o repúdio às relações manicomiais, principalmente as internações compulsórias de usuários de crack nas chamadas comunidades terapêuticas. O ato começou no vão livre do MASP, onde ocorreram apresentações culturais em que os manifestantes preparavam suas faixas e cartazes com palavras de ordem. Usuários também relataram suas experiências. Muitos jovens e crianças estiveram presentes na manifestação. Do MASP, a marcha passou no CAPS Luis da Rocha Cerqueira (mais conhecido como CAPS Itapeva) e seguiu até a Secretaria do Estado de Saúde, onde documentos foram entregues à representante da Secretaria. Entre os documentos, estavam A Carta de Princípios, o Manifesto da Frente Antimanicomial de SP e a publicação do CRP SP Álcool e Outras Drogas. Foi um momento de festa, com muita cor e alegria, mas também de mostrar que o movimento antimanicomial ainda persiste mesmo diante de tantos retrocessos no estado de São Paulo, afirmou Marília Capponi, Conselheira do CRP SP. Vídeo Clube CRP SP A exibição de 18 de maio do Video Clube CRP SP também integrou a programação da Semana da Luta com o filme A Margem da Imagem. Filmado em 2002 e dirigido por Evaldo Mocarzel, o documentário mostra as histórias pessoais de moradores (as) de rua e de como chegaram à situação de miséria. As cenas revelam como é o cotidiano de pessoas esquecidas pelo governo e sociedade e as peripécias para construir seus precários abrigos ou conseguir comida. O filme arrematou o Kikito de Ouro de melhor documentário no Festival de Gramado de 2003. Após a exibição do filme, houve debate com o psicólogo e educador social Alessandro Chiva de Lima, coordenador do Centro de Convivência de Moradores de Rua, do Centro de Referência Especializado de Assistência Social de Embu das Artes e educador social do Abrigo Butantã, em São Paulo; e com Isabela Umbuzeiro Valent, terapeuta ocupacional formada pela USP; arte-educadora do Ponto de Cultura É de Lei; coordenadora da oficina audiovisual do NAVE (Núcleo Audiovisual Experimental) do Instituto Projetos Terapêuticos com participantes do programa de saúde mental. IV Prêmio Carrano de Luta Antimanicomial e de Direitos Humanos O CRP SP foi um dos 13 premiados do IV Prêmio Carrano de Luta Antimanicomial e de Direitos Humanos. A cerimônia de premiação aconteceu em 19 de maio, no auditório da biblioteca Alceu Amoroso Lima, em São Paulo. O prêmio foi criado em 2009 e tem como objetivo dar continuidade à luta de Austregésilo Carrano por uma mudança nas condições de tratamento de pessoas em sofrimento mental, fazendo valer a Lei nº 10.216/2001 da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Carrano, cuja história foi contada no livro O Canto dos Malditos e no filme Bicho de Sete Cabeças, foi internado aos 17 anos pelo pai, que encontrou um cigarro de maconha em sua mochila. No manicômio, recebeu choques, torturas e tratamentos subhumanos. Por isso foi, até a sua morte, em 2008, foi um incansável defensor da Luta Antimanicomial no Brasil. O troféu é entregue anualmente a pessoas e instituições que com sua arte, ações e atitudes contribuem com os dois temas do prêmio, que manifestam e denunciam sua indignação com quaisquer violações dos Direitos Humanos, especialmente no que se refere às pessoas em condições de sofrimento mental. A entrega do prêmio, que em 2012 homenageou o escritor Lima Barreto, foi marcada por apresentações artísticas e muita emoção. O CRP SP foi contemplado por sua iniciativa na organização do Prêmio Artur Bispo do Rosário, destinado à usuários de saúde mental que utilizam da arte para comunicar seus sentimentos e pensamentos. Entre os premiados também estavam o militante da causa da moradia, Gegê; e Marcos Garcia, pesquisador que com seu trabalho denunciou as violações cometidas por manicômios da região de Sorocaba, que possui 3 mil leitos psiquiátricos. Lançamento da Frente Parlamentar Estadual de Luta Antimanicomial O lançamento da Frente aconteceu em 21 de maio, na Assembléia Legislativa de São Paulo. Coordenada pelo deputado Adriano Diogo, a Frente Parlamentar Estadual de Luta Antimanicomial surgiu do processo de organização e mobilização da IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial no Estado de São Paulo e também das principais atividades e lutas contra os retrocessos assistidos no estado na saúde pública e na Reforma Psiquiátrica. A frente tem como filosofia: Não a Higienização!! Não a Internação Compulsória e Não ao Financiamento Público das Comunidades Terapêuticas! A mesa foi composta por Adriano Diogo, presidente da Frente; Rogério Giannini, presidente do SinPsi; Elisa Zaneratto, representando a Rede Nacional Internúcleos de Luta Antimanicomial (RENILA); Elizabete Henna, representando o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA); Adriana Eiko, do Conselho Federal de psicologia (CFP); Lumena Furtado, secretária estadual adjunta de Saúde; e Marilia Caponni, do Conselho Regional de Psicologia (CRP), dentre outros componentes da Frente Parlamentar. A Frente Parlamentar é mais um espaço de articulação do movimento social e das entidades. Foi muito importante essa conquista, já que a ALESP tradicionalmente não é uma Casa que propõe projetos antimanicomiais. O mais interessante é que a Frente nasce poucos dias após a instauração da Comissão da Verdade da ALESP. O deputado que coordena a Frente é também o coordenador dessa Comissão. A Frente já nasce vitoriosa. Agora precisamos trabalhar junto aos deputados para organizarmos a pauta lá dentro de maneira a fazer enfrentamentos e proposições, avalia a Conselheira do CRP SP, Marilia Capponi.