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Braços abertos aos refugiados


Publicado em: 8 de janeiro de 2016
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

Acolhimento a pessoas que solicitam asilo abre discussão sobre experiências da Psicologia em tempos de guerra e intolerância   src=/ckfinder/userfiles/images/braços   O acirramento dos conflitos externos colocou a questão dos refugiados em evidência no  mundo todo. No Brasil, esse fluxo de pessoas cresceu exponencialmente, chegando a 7.289 refugiados reconhecidos em outubro de 2014 ante 4.357 em 2010, conforme dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão interministerial presidido pelo Ministério da Justiça. Os sírios somam a maioria deles (23%), seguidos por refugiados da Colômbia, de Angola e da Repú- blica Democrática do Congo. O número de solicitações de refúgio no período também deu um salto de 1.366%, passando de 566 para 8.032.    Embora o Brasil tenha uma política externa orientada por princípios humanitários, o país não se estruturou para oferecer o mínimo necessário para eles refazerem suas vidas. A avaliação é da psicologia Maria de Fátima Nassif, técnica da Proteção Social Especial na Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo. Segundo ela, no âmbito da assistência social é preciso brigar em várias frentes para se conseguir, por exemplo, uma vaga na escola ou na creche para as crianças que chegam do estrangeiro, direitos que muitas vezes são negados para os próprios brasileiros. Ela chama atenção ainda para o ambiente político e econômico difícil que encontram hoje no país, o que dificulta ainda mais a vida de quem escolheu o Brasil para tentar uma nova vida. “O imigrante quando chega aqui, não é para ter privilégios, mas para ser equiparado com o brasileiro, enfrentando as mesmas carências que a população daqui enfrenta, com o agravante da xenofobia, de ser excluído, de não ser aceito.”   Mesmo diante desse cenário, a expectativa dos profissionais que atuam diretamente com esse público é a de que com o aumento da demanda surjam novos espaços para receber os solicitantes de refúgio no país. É o caso da Casa de Passagem Terra Nova, sob a gestão da Secretaria Estadual de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, inaugurada há pouco mais de um ano, no centro da capital paulista da equipe técnica da Terra Nova, o abrigo veio suprir uma demanda que existe no fluxo de refugiados de São Paulo, que é a de um local onde as famílias possam ficar juntas, um raro exemplo na rede sócio-assistencial. Geralmente, a mulher fica num centro de apoio especializado e os homens em outro. “Eles carregam muitas dores e perdas, já passaram por tudo, e quando chegam aqui ainda têm que ficar separados”, diz Ana Paula.   Segundo ela, a recepção aos refugiados envolve assistente social, psicólogas/os, pedagoga e advogado. A casa tem capacidade para abrigar 50 pessoas por até 60 dias, período em que os moradores recebem orientação profissional, aulas de português, auxílio para arrumarem trabalho e vaga para os filhos na escola.    Após o atendimento inicial feito pela assistente social, eles são encaminhados para as/os psicólogas/os da casa. O psicólogo Victor Valentim de Souza, colega de Ana Paula no espaço, conta que o seu papel é ouvir as pessoas, suas histórias de vida, expectativas e quais os tipos de apoio eles vão precisar. “Cada um, a depender do que viveu e viverá, necessitará de um encaminhamento diferente, há casos mais graves em que a pessoa precisa de um acompanhamento psicológico clínico ou psiquiá- trico frequente”, diz Victor. Os encaminhamos são feitos para os serviços disponíveis na rede de assistência social. “Nosso principal papel no acolhimento talvez seja o de dar um lugar a essas pessoas e mostrar a elas que não estão sozinhas”, diz Ana Paula.   A maioria dos abrigados na Terra Nova vem da África (Angola, República Democrática do Congo, Gana, Nigéria) e da Síria. Segundo Victor, os motivos dos deslocamentos são sempre muito duros, guerras civis, genocídios, perseguição religiosa e política, vítimas de violência sexual ou de questões de gênero, incluindo questões relativas à homossexualidade. Muitos perderam parentes, alguns deixaram filhos para trás, e muitas vezes não podem nem entrar em contato com os familiares de seu país de origem para que eles não corram risco de perseguição.   Quando chegam ao Brasil se deparam com novos obstáculos. Segundo a psicóloga Maria de Fátima, muitos desses estrangeiros tinham boa condição social no país de origem, mas acabam assumindo postos de trabalhos muito menos qualificados do que a sua capacidade. “É um sentimento de perda muito forte”, afirma ela. Na Terra Nova, conta Ana Paula, muitos dos refugiados têm formação de nível superior e acabam trabalhando como faxineiros, auxiliares de cozinha, caixas de supermercado, recebendo salários baixíssimos, insuficientes para o sustento da família. A questão da moradia também é um grande problema, muitos estão morando em ocupações do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Mas é justamente a questão de moradia, diz Ana Paula, onde eles estão exercendo a sua cidadania, ao se inserirem na luta pela política de habitação.   Para Maria de Fátima, o papel da Psicologia no processo de adaptação do refugiado é primeiramente o de acolhimento, de ajudá-lo a elaborar os sentimentos e a enxergar suas potencialidades e perspectivas. Outro trabalho fundamental das/os psicólogas/os, segundo ela, é o de ajudar a combater a xenofobia e o racismo, em qualquer que seja a inserção da Psicologia, inclusive na academia. Apesar das adversidades, ela acredita ser possível reconstruir a vida e ser feliz em um novo país.   Victor e Ana Paula acompanharam de perto casos de adaptação bem sucedidos. Um deles, o de uma família síria, pai, mãe e duas filhas, de quatro e seis anos, que chegou ao abrigo no final do ano passado e hoje, depois de várias superações, estão vivendo em boas condições financeiras e emocionais. Moram em uma boa casa em Guarulhos, as crianças estão na escola e o pai, dono de restaurante em seu país de origem, abriu uma empresa que fornece comida árabe para restaurantes da região.   Ana Paula lembra também da história de uma viúva nigeriana, cujo marido foi assassinado em conflitos no país de origem. Ela chegou ao abrigo com as duas filhas pequenas e conseguiu construir uma nova vida. A mãe está vivendo com um novo parceiro, também estrangeiro, que conseguiu trabalho como caseiro em um sítio em Itapecerica da Serra. Ela é diarista em casas de sítios ao redor e as filhas estão na escola. O grande desafio para a equipe técnica do Terra Nova em ambos os casos foi o trabalho com as crianças, que chegaram ao abrigo com muito sofrimento. “Não agiam como crianças, viram muita violência de perto”, conta Victor. Com o tempo, conta ele, conseguimos criar vínculos, dando afeto e mostrando a elas que podiam ser crianças sem perigo aqui no Brasil.   Adaptação cultural    Outro serviço disponível em São Paulo para os refugiados é prestado pelo Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. Voltado exclusivamente para os homens refugiados, a atividade foi inspirada em um projeto já existente na casa para atender homens autuados na Lei Maria da Penha. O coletivo foi contratado em 2014 pela Acnur, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) voltado para as questões de refugiados, para fazer um trabalho semelhante com esse público, só que com a abordagem nas questões de gênero e cultural.    O coordenador do projeto, Leandro Feitosa Andrade, doutor em Psicologia Social pela PUC-SP e professor na mesma instituição, explica que o objetivo do serviço é passar informações aos refugiados sobre a cultura brasileira para ajudá-los a conviver melhor no país. “O que importa para a gente não é apenas que eles sobrevivam, mas que aprendam e sintam a possibilidade de conviver com as múltiplas possibilidades que vão encontrar por aqui e não só com os valores que trazem na bagagem”, explica Leandro.    Segundo o psicólogo, o choque de culturas é muito grande. A população atendida no projeto é formada na maioria por muçulmanos e cristãos ortodoxos de origem africana e síria, com crenças e costumes muito distintos do Brasil.   Jornal PSI, nº 185