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Psicologia e transformação social


Publicado em: 3 de fevereiro de 2016
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

Com experiência em serviços públicos e ONGs dedicadas à saúde mental, Ed Otsuka defende que também é papel da profissão abraçar a defesa de direitos sociais   src=/ckfinder/userfiles/images/20160203091406.jpg   Acolher, avaliar e orientar são alguns dos atributos da Psicologia. Mas atuar com eficiência nessas questões nem sempre é possível quando a infraestrutura de atendimento e os meios para realizar o trabalho não estão à altura dessa responsabilidade. E, ainda, se as políticas públicas existentes não são aplicadas corretamente. Para o psicólogo Ed Otsuka, resolver problemas como esses não é tarefa exclusiva de gestores. Para ele, não é possível manter-se neutro em situações assim. “Ficar neutro é reproduzir o que está acontecendo. Por isso acredito que devemos tomar posição e trabalhar para transformar as realidades com as quais não concordamos”, afirma.   Formado em 2004 pela PUC de São Paulo, Ed conta que a luta por direitos é parte de seu cotidiano desde a formação. Depois de fazer estágios e trabalhar por um curto período com orientação de crianças e adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas e em situação de abrigo, Otsuka passou a se dedicar à área de saúde mental. Nos últimos dois anos e meio ele trabalhou no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Alvorecer, no bairro Pimentas, em Guarulhos. Ele descreve a experiência como “muito enriquecedora, mas também complexa”. E, em alguns aspectos, “difícil”.   Participação dos usuários  Além de trabalhar no projeto terapêutico singular de cada usuário, Ed tinha de lidar com questões familiares e da comunidade a que pertenciam. Ampliar a rede de atendimento em saúde mental não estava dentro de suas possibilidades, mas Otsuka conta que mesmo assim empenhou-se por algumas transformações que resultaram em progresso significativo para o cuidado dos usuários. Uma dessas batalhas foi pela realização de forma adequada e efetiva de assembleias: reuniões semanais para dar voz tanto a trabalhadores quanto a usuários, com o objetivo de identificar o que não está caminhando bem e, ao mesmo tempo, discutir propostas de mudanças para facilitar o cotidiano de todos. Em resumo, encontros para decidir ações, metas e, quando necessário, corrigir rumos. Tudo com a participação das pessoas atendidas   “A assembleia é o espaço supremo de gestão de um serviço horizontalizado”, afirma. Segundo Ed, no princí- pio essas assembleias eram marcadas em horários que coincidiam com os de atendimento, além de serem mal divulgadas. “Conseguimos alterar essa rotina e fazer com que as assembleias fossem realizadas em momentos em que o serviço do Caps parava. Assim, todos, sem exceção, poderiam participar. Isso provocou uma grande transformação, com efeitos positivos diretos no tratamento dos usuários”, conta.    Para o psicólogo, antes da mudança os usuários não nutriam um sentimento de pertencimento em relação ao Caps. Mas ao ganhar voz e ao passarem a ser escutados nas reuniões, se apropriaram mais do espaço. “Nas assembleias, os usuários faziam queixas em relação à comida, por exemplo, e pudemos propiciar melhoras em relação a isso. Relatavam que não se sentiam escutados ou que não eram bem tratados por alguns profissionais. A partir disso, pudemos corrigir procedimentos equivocados”, diz Ed. Para ele, esses encontros se tornaram um importante fórum de escuta – o que permitiu estabelecer um diálogo respeitoso com os usuários. “Eles passaram a dizer como preferiam ser tratados. Mostraram que não queriam um atendimento infantilizado e nem tutelado. Aos poucos, foram se empoderando e isso significou um grande avanço para eles”, explica.  Do ponto de vista terapêutico, relata, essa mudança ajudou a transformar a visão dos usuários em relação a si mesmos e também daqueles que os cercam. Colaborou, ainda, para instrumentalizá-los para a vida e para que ganhassem mais autonomia para organizar seu dia a dia, o que aumentou a satisfação pessoal de todos.   O psicólogo diz que durante sua passagem pelo Caps também defendeu, mas dessa vez sem sucesso, que fosse colocada em prática a lei 8.142, promulgada em dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Seu objetivo era que houvesse a implantação efetiva dos conselhos de controle e partipação social, que, de acordo com a lei, deveria funcionar em caráter permanente e deliberativo como um “órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários”, para atuar na formulação de estratégias e no controle da execu- ção da política de saúde. “Apesar de ser uma lei, muitos não a seguem. Esse deveria ser um instrumento para maior participação social nos serviços públicos, para uma gestão comunitária”, defende Otsuka.   Depois de deixar o Caps de Guarulhos ele passou a se dedicar a outras atividades profissionais. Hoje, divide seu tempo entre o atendimento em consultório particular, ao programa de doutorado em Psicologia Social na USP e às atividades da organização não governamental Sã Consciência, que ajudou a fundar em 2005. O psicólogo também é um dos idealizadores da Copa da Inclusão, evento realizado com apoio da ONG e do Conselho Regional de Psicologia (CRP SP). Criada em 2002, a Copa é um encontro esportivo e cultural entre usuários da saúde mental. Desde 2005 é realizada no SESC Itaquera. A edição deste ano, realizada nos fins de semana de 15 de agosto a 26 de setembro, reuniu cerca de 1.500 pessoas. Fizeram parte da programação torneios de futsal, vôlei, queimada, tênis de mesa, minimaratona, dama, dominó e xadrez, com equipes formadas pelos usuários de 85 serviços de Saúde Mental. Além disso, houve apresentações de dan- ça, show de talentos e feira de geração de renda, com venda de produtos confeccionados pelos participantes.   O evento tem grande importância dentro do contexto da reforma psiquiátrica, da luta antimanicomial e do fortalecimento do SUS. Mais do que um conjunto de atividades desportivas, é um encontro que valoriza a luta pelos direitos humanos, o combate a relações de poder e estimula o protagonismo dos usuários em relação à sua própria realidade. Neste campo, a integração ajuda a promover a ressocialização e inclusão de usuários, além da maior interação com profissionais e familiares. Participam instituições de diversos municípios, como São Paulo, Sorocaba, Suzano, Carapicuíba, São Bernardo, Itapetininga, Diadema, entre outros.   Além da ONG Sã Consciência, Ed participa de outras atividades de promoção da saúde mental. “Invisto, acredito e ajudo a construir a Frente Estadual Antimanicomial, que é um importante espaço de construção coletiva, democrática e de empoderamento político para qualquer pessoa que se interesse e com potencial de promover transformações sociais necessárias”, afirma ele.    Consultório, doutorado, ações na ONG e na Frente Estadual Antimanicomial. Muitas atividades para uma pessoa só? “É difícil quantificar o tempo dedicado a cada uma dessas frentes. Acho impossível desvincular a atuação profissional, mesmo nos momentos de lazer. Faz parte de uma forma de se inserir socialmente, uma visão de mundo e de homem.”     Jornal PSI, nº 185