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Edgar Barrero: “Precisamos de uma psicologia latino-americana transformadora”


Publicado em: 11 de abril de 2016
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

Secretário geral da ULAPSI fala sobre os desafios para uma “psicologia da libertação” na América Latina   “A descolonização é um ato de amor pelo que é nosso, pelo pensamento psicológico emancipador que se produz aqui”, declara o colombiano Edgar Barrero, secretário geral da ULPASI e diretor da Cátedra Livre Martin-Baró. Contra a ideia da psicologia como um privilégio de poucos ao invés de um direito democrático para todos e também contra uma psicologia que cumpra um papel de adaptação às duras realidades latino-americanas ao invés de emancipatória, Barrero defende o que chama de “psicologia da libertação”.    É também com esses objetivos que se articula, desde 2002, a União Latino-Americana de Entidades da Psicologia (ULAPSI), que terá seu próximo Congresso entre os dias 8 e 11 de junho em Buenos Aires.    A descolonização do pensamento psicológico, os desafios de uma produção de conhecimento não apenas autônoma mas conectada com as realidades (e não tanto com os conceitos), alguns dos atuais pensadores do campo da psicologia que atuam nesse sentido, bem como as expectativas para o Congresso da ULAPSI são alguns dos pontos que Edgar Barrero abordou nessa conversa com o Jornal Psi. Confira a entrevista:   Por que falar em uma psicologia latino-americana?  Temos não só que falar em uma psicologia latino-americana. Temos que fazer essa outra psicologia latino-americana desde a práxis de cada psicóloga e psicólogo que tenha se dado conta das profundas desigualdades em que vivem nossos povos. A psicologia que nos foi imposta na América Latina não se questiona a respeito das desigualdades, do racismo, das exclusões, das repressões, da fome e do frio no qual vivem milhões de seres humanos. Por isso precisamos falar e fazer uma psicologia latino-americana que se comprometa radicalmente com a transformação dessas realidades.   src=/ckfinder/userfiles/images/abertura14.png Foto: Congressso Ciência e Profissão - Divulgação   O que você chama de colonização do pensamento psicológico na América Latina e quais os seus impactos? A quais interesses responde a psicologia na América Latina?  A psicologia que chega à América Latina desde a década de 1950 é uma psicologia com interesses políticos e ideológicos muito definidos a favor das grandes potências imperialistas. A formação de psicólogas e psicólogos tinha esse selo e segue tendo em muitas partes. O resultado foi uma impressionante colonização afetiva, intelectual e relacional cujo impacto mais atroz foi a submissão e a obediência cega frente aos centros de produção teórica dos Estados Unidos e da Europa. Mais que interesses da psicologia latino-americana, teríamos que falar dos princípios ético-políticos para a transformação psicossocial.   “A psicologia da libertação é antes de tudo uma aposta ético-política para colocar o saber psicossocial a serviço de melhores condições de vida. Se trata de recuperar isso que nos negaram historicamente: autonomia, soberania, confiança e respeito.”     E como avançar nessa descolonização?  Um princípio básico da colonização é a desintegração, a desunião e a fragmentação. Se queremos avançar na descolonização temos que nos juntar e aprender a nos amar e respeitar enquanto latino-americanos. A descolonização é um ato de amor pelo que é nosso, pelo pensamento psicológico emancipador que se produz aqui.   De que forma a produção autônoma de conhecimento pode ser uma ferramenta para a transformação da realidade? Como conectar produções acadêmicas e conceituais com as concretas condições de vida das pessoas?  A produção de conhecimento autônomo tem que ser o resultado do trabalho e da ação cotidiana com o objetivo de transformar as realidades sociais a partir da psicologia. Não se trata de uma produção autônoma de conhecimento distante das realidades de nossos povos. Se trata de uma práxis que produz saberes e conhecimentos para transformar, não para adaptar. Esse é o desafio para a psicologia acadêmica: partir das realidades e não tanto dos conceitos.   Que pensadores da psicologia latino-americana você citaria para exemplificar esforços de uma construção conceitual e prática descolonizada?  Recentemente nos inteiramos do assassinato de nosso amigo Marcus Vinicius de Oliveira no Brasil. Um homem comprometido profundamente com a descolonização. O mesmo aconteceu com Ignácio Martín-Baró em El Salvador em 1989 por defender os direitos da maioria da população. Mas temos Ana Bock e Silvia Lane no Brasil, Maritza Montero na Venezuela, Ignacio Dobles na Costa Rica, Manuel Calviño em Cuba, Marco Murueta e Pablo Fernández no México, Fernando Gonzáles Rey entre Cuba e Brasil, entre tantos outros.   No último Congresso Brasileiro de Psicologia você afirmou, fazendo referência ao psicólogo espanhol Ignácio Martín-Baró, que “o primeiro passo é libertar a Psicologia da sua condição histórica”. O que quer dizer com isso? A psicologia tem algumas origens e um desenvolvimento histórico a serviço das minorias e não das maiorias. É um privilégio para alguns poucos e não um direito democrático para todas e todos. Em muitos casos tem jogado um papel mais de adaptação por meio da patologização e da psicologização de problemas que têm suas raízes em condições sociais e materiais de existência. Por isso necessitamos libertar a psicologia dessa condição histórica, para construir outra psicologia onde se democratize o saber psicológico para a melhoria das condições de vida, para a dignificação da vida material, psicológica e espiritual do nosso povo latino-americano.   O que você chama de “psicologia da libertação”?  A psicologia da libertação é antes de tudo uma aposta ético-política para colocar o saber psicossocial a serviço de melhores condições de vida. Se trata de recuperar isso que nos negaram historicamente a partir da psicologia: autonomia, soberania, confiança, respeito e valorização por meio do pensamento e da práxis a partir das nossas raízes históricas.   Quais as grandes questões que estão postas nos países latino-americanos hoje e de que forma, nesse contexto, a psicologia pode contribuir?  Temos muitos problemas para resolver onde a psicologia poderia ajudar a partir da investigação e da prá- tica. O problema da desigualdade social, o problema da repressão política, o problema da tortura psicológica em grande escala, o problema do racismo e da exclusão, o problema do abismo entre a academia e a realidade, etc. Violências, corrupção e impunidade são realidades que devem ser transformadas e aí a psicologia joga um papel fundamental.   Como entra a ULAPSI nesse cenário?  A ULAPSI nasce acolhendo muitos dos princípios mencionados anteriormente. Buscamos a integração e a unidade como forma de fortalecimento do nosso pensamento. Buscamos um maior compromisso social da psicologia para transformar as condições de vida da nossa gente. Buscamos aportar nossos conhecimentos para a democratização da existência humana. Estamos nos reconhecendo, valorizando e potencializando enquanto psicólogas e psicólogos com altas capacidades intelectuais, afetivas e relacionais contra qualquer forma de injustiça social.   Quais as expectativas para o próximo encontro da ULAPSI, que acontece em junho na Argentina?  No Congresso da Argentina abordaremos problemas complexos no interior e no exterior da ULAPSI. Debateremos estratégias para nos convertermos em uma opção distinta para a psicologia na América Latina. Sem dúvida teremos um crescimento quantitativo em termos de novas organizações e países que se afiliam a nossa União. Mas também avançaremos qualitativamente em relação a propostas e estratégias para ajudar a resolver problemas urgentes de nossos territórios, como é o caso da paz estável e duradoura na região.     Jornal PSI, edição número 186.