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Por uma sociedade sem manicômios


Publicado em: 12 de abril de 2016
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

Usuárias/os dos serviços de saúde mental vão às ruas junto com trabalhadores em defesa da Reforma Psiquiátrica Carlos Eduardo Ferreira e Cláudia Valéria Ribeiro, muito mais conhecidos como Michael Pop e Peixinha, desceram no metrô Trianon Masp de mãos dadas – como costumam fazer quando caminham juntos desde que começaram a namorar, quase 14 anos atrás. Quando chegaram na manifestação antimanicomial uma bateria já ecoava forte na Av. Paulista, exigindo a exoneração imediata do psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho, nomeado coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde. Escolhido no final do ano passado pelo ministro da Saúde, Marcelo Castro, Valencius assumiu o lugar de Roberto Tykanori, que coordenava a pasta desde 2011. Os feitos que carregam no currículo os colocam de lados estritamente opostos nas disputas sobre como deve ser o cuidado das pessoas na saúde mental. Referência na luta antimanicomial, Tykanori foi um dos protagonistas na intervenção do Hospital Psiquiátrico Anchieta em Santos, considerada uma das ações que inaugurou a mudança de paradigma na saúde mental brasileira que culminaria na Reforma Psiquiátrica. Já Valencius, por outro lado, foi diretor do maior hospício privado da América Latina, a Casa de Saúde Dr. Eiras, no Rio de Janeiro – também conhecida como “Casa dos horrores”. “Eles não sabem o que é ser tratado com eletrochoque” src=/ckfinder/userfiles/images/Foto Michael Pop não estava a caráter no dia do ato, mas não seria surpreendente vê-lo vestido como seu ídolo, Michael Jackson, de quem ele faz cover desde criança. “Eu já participei de eventos para discutir a Reforma Psiquiátrica, uma vez fui lá na Bahia. E realmente, acho que os que governam o Ministério da Saúde não sabem o que é saúde mental. Devem estar mais preocupados com o dinheiro do que com os pacientes. Eles não sabem o que é passar por um transtorno mental e ser tratado com eletrochoque, não sabem”, enfatiza. Ausência de roupas, alimentação insuficiente e de má qualidade, pessoas em internação de longa permanência e prática sistemática de eletrochoque foram algumas das denúncias feitas a respeito do manicômio dirigido por Valencius, publicadas em 2000 no relatório da I Caravana Nacional de Direitos Humanos. Somente 12 anos depois, no entanto, a Casa Dr. Eiras seria fechada por ordem judicial, por conta das denúncias de maus tratos. “Hoje na luta antimanicomial eu tenho muita vontade de lutar pelas pessoas que eu conheci com transtornos mentais e que estavam sendo maltratadas”, afirma Cláudia, ajeitando seu chapéu prateado, cheio de brilho. Durante uma festa de comemoração de alta em um hospital psiquiátrico no qual esteve internada quando tinha por volta de 16 anos, Cláudia lembra ter conhecido uma adolescente que ficava em outra ala. “Ela estava babando, era paciente de álcool e drogas e a enfermeira veio, pegou ela e o médico receitou eletrochoque. Nunca vou esquecer”, relata. “Só depois que eu saí de lá que minha mãe me contou que eles também tinham indicado eletrochoque para mim, mas que minha família não tinha autorizado. Acho que as pessoas não sabem o quanto é pernicioso para os pacientes tomar eletrochoque”, constata. Em defesa do cuidado Entre os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e outros serviços da rede que Michael e Cláudia frequentam, eles destacam a Casa do Saci, que oferece diferentes atividades de trabalho para usuários da saúde mental. “Lá eles tratam as necessidades humanas, tratam a alma”, descreve Cláudia, para quem esse é o cerne da Reforma Psiquiátrica. “Outro dia eu estava sozinha e não tinha dinheiro suficiente para entrar no cinema. Eu falei com o segurança se eu podia pagar menos e o moço liberou. Eu saí falando para todo mundo. Acesso à cultura, à arte. Acho que coisas assim são o cuidar da alma”, sintetiza. É nesse sentido que Michael, além de participar de grupos de coral e dança, faz suas apresentações do rei do pop. “Quando eu tinha nove anos eu e meus irmãos fizemos um grupo que imitava o Jackson Five. A gente cantava “I’ll be there” e várias outras músicas, dançava, ganhamos até prêmios”, narra. Anos depois, foi uma das trabalhadoras de uma ONG chamada Cure o Mundo, no Taboão da Serra, que deu a ele de presente os sapatos de Michael Jackson: “Me animei a resgatar o personagem”. “A grande diferença é a liberdade” Valter da Trindade Gomes, assim como Cláudia, já passou por um hospital psiquiátrico. “Fiquei pouco mais de um mês lá, na região de Itapira, e não deu certo. Tudo muito fechado, sem uma terapia, sem atividade para a gente fazer. Depois que eu saí de lá conheci o CAPS de Guarulhos e foi uma grande melhora para mim”, conta. “A grande diferença que eu senti foi a liberdade. E tem mais atividades, por exemplo eu participava de um grupo de música e agora vou no de ginástica. Eu me sinto bem. Às vezes eu estou com muito problema em casa, com a cabeça pesada, e quando eu vou para lá já alivio, chego em casa alegre. Então para mim o CAPS é o melhor sistema de tratamento”, sorri. Depois de passar por 18 internações no Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora de Fátima, em Pirituba, Eliana Ferreira Lima conheceu o CAPS da Brasilândia e hoje frequenta o mesmo que Valter, em Guarulhos. “Sempre fui bem tratada pelas Irmãs Hospitaleiras quando estive internada”, assegura Eliana, mas ressalta também a importância da liberdade. “No CAPS 24h eu fiquei internada 12 dias e eu podia ir na praça, no bar, na quadra. Foi muito bom. A gente vem se manifestar porque a gente também tem direitos e precisa lutar para que continue essa lógica de tratar mas de poder voltar para casa”, afirma, e em seguida diz: “Manicômio para mim é um lugar como se fosse uma cadeia. E como ser feliz sem ser livre?”. src=/ckfinder/userfiles/images/Foto Jornal PSI, edição número 186.