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A mediação de máquinas


Publicado em: 15 de agosto de 2016
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

Apesar de acirradas discussões sobre a prática psicológica por meios tecnológicos de comunicação, psicólogas/os apontam que a regulamentação precisa avançar   “A qualquer hora, em qualquer lugar”. Com esse slogan, o site Psicolink oferece orientação psicológica online por uma média de R$100 a consulta. Abaixando um pouco a tela, o internauta preenche o box “Encontre seu psicólogo”: depois de selecionar, entre as opções, qual o tema pelo qual procura orientação (ansiedade, stress, sexo, vício, trauma, etc.), ele define a preferência de sexo, estado de origem e preço da/o psicóloga/o requisitada/o. Atualmente são 85 psicólogas/os associados, 3567 usuários e 2608 sessões agendadas no Psicolink. Ao mesmo estilo, existem sites como Psicólogo Online 24h e Orienta.me.   Apesar de mais disseminada, a oferta de atendimentos psicológicos virtuais foi e é tema de preocupação e acirradas discussões entre os profissionais. Historicamente calcado no atendimento olho no olho, no íntimo relacionamento presencial sob a confidencialidade da conversa entre quatro paredes, é possível admitir a realização do trabalho psicológico com a mediação de um computador? Eticamente, dá para garantir o sigilo e a privacidade desse atendimento se realizado no espaço virtual?   Orientação x psicoterapia   A Resolução nº11/2012 regulariza o serviço psicológico por meios tecnológicos de comunicação e limita a prática à orientação pontual. O acompanhamento psicoterapêutico só é permitido em caráter experimental de pesquisa acadêmica. A orientação informatizada (via e-mail, skype, chat ou outro comunicador instantâneo) é permitida em até 20 encontros ou contatos virtuais.   Como diferenciar, no entanto, o que é orientação e o que é psicoterapia? Rosa Maria Farah e Oliver Prado participaram do grupo de trabalho da primeira resolução que tratou do tema e afirmam que desde o final dos anos 1990 até os dias de hoje a diferenciação nunca foi fácil.   “A tentativa de distinguir orientação de psicoterapia tinha esse intuito de abrir espaço e ao mesmo tempo garantir certa limitação, aspectos éticos e técnicos que na época assustavam mais os profissionais da área” explica a psicóloga e professora Rosa Maria, mas constata: “Essa definição nunca conseguiu ser tão precisa”. Para Farah, que coordena o Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática (NPPI) na PUC-SP, “orientação é atendimento com foco em uma questão específica e brevidade do contato. Porém, de dentro da nossa experiência, muitas vezes numa troca breve e pontual pode ocorrer um processo intensamente terapêutico, ainda que caracterizado como orientação psicológica”.   Atualmente a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) obriga os planos de saúde a cobrirem ao menos 18 sessões de psicoterapia por ano. “Nesse caso a categoria se posiciona para que o número se amplie, pois a limitação de sessões seria uma ingerência no trabalho da/o psicóloga/o. Mas aí na internet nós mesmos limitamos a 20 sessões?”, problematiza o psicólogo Oliver Prado, para quem é necessário rediscutir se atualmente ainda faz sentido pensar na diferença entre orientação e psicoterapia e se faz sentido restringir o número de sessões virtuais. “Eu pessoalmente acho que não”, opina.   Na mesma linha de defender a importância de repensar o tema, Rosa Maria questiona se, mais do que insistir na diferenciação entre orientações pontuais e acompanhamentos psicoterapêuticos, não seria mais interessante “pensar o que é terapêutico e útil para as pessoas, seja lá qual forem sua demandas? Será que a gente não está restringindo a possiblidade de que novos trabalhos dentro da psicologia se desenvolvam pelas novas gerações, inclusive ampliando a possibilidade da população ter acesso a serviços de psicologia?”.   Tecnologia e psicologia   Ao invés de tentar definir psicoterapia, Oliver Prado resolveu voltar sua pesquisa para suas características que são sólidas e aceitas. “O vínculo que se forma entre terapeuta e paciente é uma delas”, ressalta o pesquisador. Por meio de instrumentos como questionários, Oliver fez uma análise estatística da formação ou não de vínculo depois de três semanas de atendimento psicológico com a mediação da internet, em 53 casos. “Constatamos que a relação terapêutica se constitui da mesma forma que com as terapias tradicionais”, explica.   Se há aspectos que se mantém entre o atendimento psicológico presencial e o virtual, ao mesmo tempo, na opinião de Rosa Maria Farah, não se pode simplesmente transpor o que se faz presencialmente para o âmbito online. “É preciso conhecer e refletir sobre as características do virtual e dos relacionamentos com mediação das máquinas. As/os psicólogas/os não têm ainda nos currículos oficiais esse tipo de preparação. É necessário focar na tecnologia e na informatização já na formação básica”, defende.   Para Oliver Prado, é hora de atualizar a resolução que regulamenta essa prática. Farah afirma ser difícil prever que formato teria essa possível atualização, já que teria de ser resultado de “uma reflexão ampla com as pessoas envolvidas na área”, mas que mais que normativa, uma resolução sobre serviços psicológicos online deve ter “uma amplitude e flexibilidade que leve em conta o preparo”. Rosa Maria Farah assinala que “devemos botar peso não na definição de comportamentos específicos que podem caducar rapidamente, mas no conhecimento e na qualificação de um/a profissional eticamente preparada/o para lidar com essa realidade”.