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Cartilhas Populares são feitas a partir do saber do usuário


Publicado em: 6 de outubro de 2016
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

Álcool e outras drogas e educação básica foram temas das publicações   Ouvi falar... – Tudo o que você ouviu (ou não) falar sobre drogas e Construindo caminhos – a psicologia e a sua relação com a educação deram nome às cartilhas populares elaboradas e publicadas pela gestão 2013-2016 do CRP-SP, que também finalizou e lançou a cartilha a respeito de medicalização – todas disponíveis no site do Conselho. Dessa vez, no entanto, a metodologia para fazer as cartilhas ganhou novos contornos.   Por proposta do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), ciclos de conversas com os usuários para pensar e validar os conteúdos passaram a ser ponto fundante do processo de elaboração das cartilhas populares. “A ideia foi que usuários `daquelas áreas – no caso usuários de drogas ou dos serviços e usuários das instituições de educação – opinassem e discutissem as cartilhas, tanto em relação ao conteúdo quanto à linguagem”, explica Maria Ermínia Ciliberti, integrante do CREPOP.   “Temos um primeiro momento onde a gente discute, dentro dos grupos temáticos, os assuntos que consideramos fundamentais”, relata Ciliberti: “Então é feita a leitura e a construção de textos em encontros com grupos de usuários que topam participar, e a cartilha vai sendo construída a partir das sugestões feitas por eles”.   Ermínia conta, a respeito da definição dos temas das cartilhas mais recentes, que “se avaliou que essas duas demandas são áreas de ameaça de desmoronamento de políticas públicas. Tanto a questão de escola inclusiva quanto a criminalização ou patologização dos usuários de drogas. E temos certeza que abordar esses temas é uma contribuição que a psicologia pode dar”.   Psicologia, drogas e educação   O que são drogas? Com essa pergunta básica começa a cartilha que trata não só das substâncias psicoativas mas da estrutura política que rege a forma como nossa sociedade atualmente lida com elas. “São substâncias psicotrópicas as que que alteram o funcionamento do cérebro e provocam modificações no estado mental, na maneira de sentir, de pensar e de agir” define o material, que esclarece como a escolha de que algumas dessas drogas sejam proibidas como vemos hoje – por meio da repressão e militarização – vem de uma convenção da ONU assinada em 1961 por mais de 100 países.   Marília Capponi, integrante do Núcleo de álcool, outras drogas e medicalização do CRP-SP, destaca a importância de falar sobre essas questões, “muitas vezes obscuras, permeadas por preconceitos e, que por isso, merecem atenção por parte da profissão e ciência psicológica: a violência, as vulnerabilidades, políticas públicas, uso abusivo de substância, uso recreativo, direitos sociais, tratamentos, ética profissional, entre tantos outras questões possíveis de serem debatidas quando se propõe seriamente a falar sobre drogas”.   “Você usa porque quer. Ou não?” Com esse título, uma seção da publicação trata da situação de dependência em relação a alguma droga, e como isso acontece por várias razões, muitas vezes difíceis de identificar, em que as escolhas do indivíduo se pautam por uma relação de necessidade da substância.   Entre as formas de tratamento de uso problemático de drogas, a cartilha destaca a redução de danos. “No olhar da redução de danos cada um é encorajado a ser ‘sujeito’ de suas mudanças (Paulo Freire). Para isso, participação, cidadania, protagonismo, liberdade de escolha, autonomia e autocuidado são fundamentais”.   “O que mais nos motivou foi discorrer sobre um assunto complexo de uma maneira acessível, como é a proposta das cartilhas populares. Entendo popular no sentido de aproximar o conhecimento construído pela psicologia do público não psicólogo”, aponta Marília. A elaboração da cartilha durou quase dois anos, entre reuniões e oficinas. “Um texto escrito por diversas mãos. Algumas pessoas usuárias de serviços públicos (CAPS AD, por exemplo), outras de movimentos sociais e organizações alinhadas ao debate da legalização das drogas, aos Direitos Humanos e da redução de danos”, conta Capponi.   Lançada em junho de 2016, a cartilha sobre educação se divide em três partes. Na primeira, a publicação discorre sobre “a educação que temos” e “a educação que queremos”, refletindo sobre conceitos e processos que a psicologia pode oferecer para a construção conjunta e melhoria das políticas públicas na área da educação. O capítulo dois aborda o espaço da/o psicóloga/o e o seu papel no contexto educacional e o três desenvolve a ideia da educação como um direito humano e, a partir daí, a sua relação com a psicologia.   Quem vivencia é quem sabe   Marcela Mattos é usuária e integrante da Marcha da Maconha de Santos e participou das rodas de conversa que discutiram a cartilha sobre drogas. “Penso que é o único jeito eficaz de se elaborar uma cartilha desse tipo, porque sai do lugar comum, da visão institucional e/ou médica e lança o foco sobre o uso real. Dessa forma, acredito que tenta-se eliminar o problema mais básico da questão das drogas: a hipocrisia!”, enfatiza.   “Eu, como militante da Marcha da Maconha, acredito realmente que é só a partir de troca de informações que se pode mudar a atual política de drogas. E tenho certeza absoluta que a política proibicionista mata mais do que o uso de qualquer droga em si”, avalia, ao constatar que “essa certeza vem justamente por conta de todo o acúmulo de discussões que trazem esses movimentos. As drogas não são proibidas por conta de uma preocupação com a saúde da população, e sim por conta de interesses políticos e econômicos”.   Ao englobar os saberes e as opiniões das pessoas diretamente envolvidas e/ou afetadas pelo tema, Maria Ermínia acredita que as cartilhas retomam princípios da educação popular de Paulo Freire. “Às vezes pode ser que algum usuário não nomine as coisas com a linguagem que a gente usa na psicologia, mas quem têm a vivência são eles. Daí a importância de retomar esses princípios nas construções de nossos materiais”, constata: “As cartilhas são um instrumento de reconhecimento do saber das pessoas e portanto também de empoderamento dessas populações”.