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Todo dia, em todo lugar: uma mostra das práticas em Psicologia


Publicado em: 31 de outubro de 2016
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

Projeto todo dia, em todo lugar - por uma sociedade democrática e igualitária recebeu 620 vídeos e realizou 20 caravanas pelo estado de São Paulo   Tania Salvadori é psicóloga pela Unesp de Assis e lá trabalha num bairro periférico, focada em saúde coletiva e serviços de assistência social. Thaiany de Aquino é estudante de psicologia na UNIP de São Vicente, tem 19 anos e escolheu essa formação porque acha que “as pessoas precisam de escuta e atenção”. Elisangela Almeida é usuária de um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) em Bauru há dois anos e diz que os profissionais de lá mudaram a sua vida. Marcella Milano é psicóloga em Itu e trabalha com um grupo de adultos que ficaram ou nasceram cegos. Marcos Garcia é psicólogo desde 1992, é professor da Universidade Federal de São Carlos e avalia que há uma modificação positiva na psicologia, “que tem o entendimento do sofrimento psíquico não só numa dimensão individual, mas também coletiva”.   Seus relatos chegaram ao CRP-SP – assim como os de outras 620 pessoas – em vídeos de cerca de um minuto, por meio do projeto Psicologia todo dia, em todo lugar – por uma sociedade democrática e igualitária, lançado no dia da/o psicóloga/o de 2014. Classificados por região, áreas de atuação e processos de trabalho, os depoimentos de todas as geografias do estado permitiram ao CRP-SP mapear e dar visibilidade às variadas práticas da psicologia espalhadas por aí. Até o momento, existem 458 vídeos publicados no site do Conselho.   “A ideia é discutir e falar da psicologia a partir do que é feito no cotidiano pelos profissionais, ou seja, aproximar o Conselho da prática diária da categoria, inclusive reconhecendo práticas feitas em lugares afastados de grande centros”, descreve Elisa Zaneratto, presidente do CRP-SP entre 2013 e 2016 e uma das coordenadoras do projeto – ação e lema principal da gestão.   As/os psicólogas/os que participaram   Os aspectos que mais chamaram atenção no conteúdo dos vídeos, na opinião da conselheira Camila Teodoro, que também coordenou o projeto, foram a responsabilidade e o comprometimento com a profissão e a vontade de conversar com o Conselho. “Não foi surpreendente, mas foi marcante a forma como, apesar da diversidade de práticas nas centenas de vídeos que recebemos, a ética é uma só. Também muito bom receber os depoimentos em vídeo e nas cidades que visitávamos, percebendo como as/os psicólogas/os estão cada vez mais desconstruindo a visão do Conselho como policialesco e punitivo, mas ao contrário, como um órgão que quer conhecer as práticas, dialogar, estar junto”, ressalta.   “A gente percebe que as pessoas que se vincularam ao projeto têm uma aposta muito grande nos efeitos positivos da psicologia para o público com quem trabalham”, observa Zaneratto. “Um viés muito exitoso do projeto foi quando decidimos fazer matérias do nosso jornal contando a prática profissional de pessoas que enviaram seus vídeos”, argumenta, ao refletir sobre a importância de muitas práticas interessantes e até então desconhecidas poderem se tornar referências para outros profissionais. “O projeto uma grande mostra virtual de práticas em psicologia”, sintetiza.   O Conselho na estrada   Surgiu, então, a ideia de aprofundar e conhecer melhor as práticas contadas de forma rápida naqueles vídeos de um minuto e meio. “As caravanas vêm responder a um esforço do Conselho ir até a categoria, já que predominantemente é a categoria que vem até o Conselho”, conta Elisa. As caravanas percorreram o estado de São Paulo passando por 20 municípios (dois de cada região de subsede) com vários gestores do CRP-SP e uma equipe de filmagem que registrou as viagens no programa Diversidade (todos os programas estão disponíveis na internet e vão ao ar pela TV PUC).   São José do Rio Preto. Mel, Buddy e Lola trabalham junto com a psicóloga clínica Laís Maria Milani no consultório e em outras instituições. Terapeutas também, mas peludos e sobre quatro patas, companheiros de trabalho como eles na psicologia não são invenções atuais. A terapia assistida por animais existe em instituições de saúde mental pelo menos desde a década de 1970, explica Laís, ao lembrar do famoso cão de Freud, o Chow Fi, e, no Brasil, dos animais de Nise da Silveira. “Ela acolhia os animais da rua na instituição dela e começa a relatar o quão bem o contato com esses animais fazia para os pacientes”, aponta.   “A própria interação homem animal traz benefícios fisiológicos para a pessoa e o animal, com a liberação de hormônios e neurotransmissores associados à sensação de prazer, relaxamento e bem-estar. Esses benefícios associados ao consultório favorecem o vínculo com o profissional e o atendimento em si”, explica Milani. Além do consultório, em que Laís junto com a psicanalista com quem trabalha faz atendimentos com ou sem o cão, sua atuação profissional inclui atividades lúdicas em um lar de idosas.   “A gente percebe que tem uma quebra de protocolos sociais muito rápida com a presença dos animais. Quando tem um contato entre duas pessoas, em situação de terapia ou não, elas se cumprimentam, ficam de longe, tem um processo até que se vinculem. Com o cachorro isso acontece assim”, observa Laís, ao estralar os dedos.   O que estão fazendo as/os psicólogas/os pelo estado de São Paulo? Quais seus maiores interesses, desafios, enfrentamentos, demandas? Para Camila Teodoro, essas perguntas são locomotiva da caravana. “Visitamos regiões que geralmente não alcançamos, que têm pequeno número de psicólogas/os mas com demandas muito interessantes de trabalho. Visitamos também cidades com concentração populacional maior mas com práticas diferentes de vários outros lugares”, recorda, ao falar de Ribeirão Preto. “Lá nossa visita teve a temática da psicologia do esporte, que está sendo desbravada de forma muito interessante, um trabalho inovador que dá seus primeiros passos numa cidade em que a psicologia tem certa tradição mas mais na área da clínica”, relata.   Ribeirão Pires. Alexandre Avanzo Dias queria fazer psicologia desde a época da escola e se formou em 2013, ainda incerto da onde queria atuar. Depois de um ano de estágio fazendo observação e escuta psicológica na Casa Acolhida, instituição que atende pessoas em situação de rua, Alexandre sentiu que era ali que deveria trabalhar. “Via que as pessoas ali tinham uma necessidade de atenção. Lá fora ninguém quer escutar uma pessoa que está alcoolizada ou transtornada”, constata. Para ele, a área social é a mais linda da psicologia: “É o contato direto com as pessoas”.   O trabalho na Casa Acolhida foi visto de perto pelas/os conselheiras/os do CRP-SP. As cerca de 30 pessoas acolhidas ali, em sua maioria homens, recebem um atendimento psicológico hegemonicamente em grupo. “Ele traz de volta para o indivíduo a sua responsabilidade de vida, a sua capacidade”, diz a diretora da instituição, Marcia Cristina Zaucaneli, a respeito do trabalho de Alexandre. “Os conviventes querem ver que aquela pessoa vai jogar bola com eles, vai desenhar com eles, vai estar junto e de igual para igual. A diferença do Alexandre foi essa, ele chegou aqui e revolucionou essa prática. Eles criam um vínculo com ele. E esse vínculo é muito importante”, conta Zaucaneli.   A sistematização dos conhecimentos e práticas visitadas ao longo das caravanas em formato de vídeos foi, na visão de Elisa, um dos grandes êxitos a serem destacados. “Sabemos que muitas vezes os profissionais que estão na lida cotidiana não estão necessariamente produzindo nas formas academicamente previstas. Mas estão produzindo conhecimento em psicologia. São psicólogas/os que na prática produzem um saber, qualificam técnicas, qualificam serviços de intervenção. E a gente pôde sistematizar isso de um jeito prático, numa linguagem que fala com a sociedade” analisa e já emenda no que considera o segundo grande êxito: “O fato da gente mostrar para a sociedade o que é a psicologia”.   Araraquara. Numa sala de aula dentro de um Centro de Referência Afro, se juntam mulheres negras. “Muitas mulheres não reconhecem que são negras. Não por culpa delas, mas da nossa sociedade. A gente está unida para tentar trabalhar essa questão”, explica uma das participantes do grupo. A psicóloga Beatriz Cristina da Silva foi quem criou o coletivo para trabalhar com resgate da identidade, autoestima, empoderamento e ação política das mulheres negras.   Em conversa com Beatriz e com as outras participantes do grupo, Ivani Oliveira, psicóloga membro do núcleo psicologia e relações raciais do CRP-SP e uma das gestoras que compôs a caravana à Araraquara, sorri. “Na faculdade a gente estuda Freud mas não estuda Frantz Fanon que também foi um psiquiatra e trabalhava a temática da população negra. A psicologia é uma ciência que se desenvolveu pela elite brasileira, e pensava a partir do olhar dela. Cabe a nós transformá-la”, comenta.   O embrião do grupo Deusas do Ébano foi a intenção de Beatriz de conversar com outras mulheres a respeito de um blog no qual ela refletia sobre as transformações que estavam acontecendo em seu cabelo – na época ela deixava de usar produtos químicos e começava a soltar seu cabelo black. A ideia ficou na gaveta. “Primeiro vem a reflexão. Depois a ação”, afirma.   “Então fiz uma proposta de trabalho aqui no centro com finalidade terapêutica. Fizemos o grupo, as rodas, as mulheres vieram mas aí não tivemos a continuidade. Eu acabava fazendo um atendimento para a demanda individual. Meu sonho era ver essas mulheres negras unidas”, expõe Beatriz. E então, no ano passado, ela teve a ideia de montar o grupo que é hoje uma rede de apoio e de ação política, quando participou da Marcha das Mulheres Negras: “Foi maravilhoso para mim. Era uma cumplicidade no olhar. Estamos aqui. Era o que dizíamos: estamos aqui”.