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Carta de esclarecimento referente à reportagem que trata dos leitos psiquiátricos, exibida em 26 de fevereiro de 2018 no Jornal da EPTV 1ª Edição


Publicado em: 22 de março de 2018
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

src=/ckfinder/userfiles/images/NS_ReportagemLeitosPsiquiatricos_600x600.png   A Política Nacional de Saúde Mental (PNSM) regulamentada pela Lei nº 10.216 de 2001 é o principal marco legislativo da saúde mental no Brasil e propõe a redução dos leitos psiquiátricos e o cuidado à saúde mental por meio de dispositivos extra hospitalares integrados a uma rede de serviços, além de sua inclusão na atenção básica. (BRASIL, 2001).   De acordo com a mesma lei, Artigo 2º, Parágrafo único sobre os direitos da pessoa portadora de transtorno mental, a mesma deve “IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental”. O Artigo 4º aponta ainda que “a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”.   Preconiza-se, portanto, a inclusão do sujeito na sociedade, em suas relações familiares, em que se promova reabilitação do indivíduo permitindo seu exercício da cidadania. O tratamento do sujeito adoecido psiquicamente e do usuário de substâncias psicoativas deve ser priorizado em serviços extra-hospitalares.   A reforma psiquiátrica prevê, portanto, a redução progressiva de leitos psiquiátrico e o fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) instituída em 2011, como estratégia de atenção à saúde mental no âmbito do SUS, tendo como finalidade criar, ampliar e articular pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. A RAPS reúne os diversos equipamentos públicos envolvidos nos cuidados à saúde mental, composta pelas equipes da ESF, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), serviços de urgência e emergência, leitos hospitalares psiquiátricos, serviços de Residência Terapêutica (RT), programa “De volta para casa”, centros de convivência e comunidades terapêuticas (BRASIL, 2011).   Compreendemos, deste modo, a relevância de se valorizar e fortalecer os serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico, os quais não foram mencionados na matéria do jornal da EPTV 1ª edição, a qual destacava modelos de intervenção que priorizam internações de longa duração, sem estudos que comprovem sua eficácia e que na prática tem gerado maior distanciamento social, exclusão e denúncias de violações de direitos humanos. Ressaltamos ainda a ausência, na reportagem, da opinião de outras categorias profissionais, especialistas e estudiosos da área de saúde mental, uma vez que tais poderiam colaborar com o olhar para a integralidade do sujeito e para o posicionamento frente as novas propostas de cuidado e tratamento para a referida população.   A reportagem citou a Organização Mundial da Saúde (OMS), dizendo que esta preconiza 1 leito para cada 2200 habitantes. Gostaríamos de ressaltar que este leito preconizado é em HOSPITAL GERAL e não em hospital psiquiátrico, tendência que vem sendo adotada em países como Inglaterra, Austrália, Finlândia e Itália, considerados modelos em Saúde Mental (Atlas de Saúde Mental, OMS, 2014). Em documento que orienta a construção de políticas de saúde mental, a OMS deixa claro que tratamentos de alta complexidade não devem ser realizados em hospitais psiquiátricos, pois estes têm um histórico de violação dos direitos humanos, demonstram resultados pobres e programas de reabilitação inadequados. Coloca também que eles são muito custosos e que consomem uma proporção inadequada dos recursos da saúde mental. Por fim, a OMS recomenda que os hospitais psiquiátricos sejam fechados e substituídos por serviços em hospitais gerais, serviços comunitários de saúde mental e serviços integrados à atenção primária a saúde (OMS, 2009).   O declínio de leitos psiquiátricos não pode ser compreendido como uma desvalorização do cuidado em saúde mental, mas antes como um novo modelo de tratamento que necessita ser difundido e fortalecido. O enfraquecimento dos dispositivos substitutivos por meios da diminuição de financiamento feito a estes e priorização de internações de longo prazo, gera fragilização da Rede e assim do cuidado às pessoas que estão em sofrimento mental no território, o que acarretaria em uma demanda ainda maior de internações e do processo de institucionalização das pessoas, retrocedendo aos avanços propostos pela lei 10.216. Sabemos das dificuldades que a rede de atenção psicossocial vem tendo para cumprir com seus objetivos e precisamos do apoio da mídia para cobrar de gestores e políticos maior atenção a esta. Entretanto, gostaríamos que as informações divulgadas respeitassem políticas já consolidadas internacional e nacionalmente.   Referências:   BRASIL. Ministério da Saúde. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 06 abr. 2001. Seção 1, p. 2.   ______. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 dez. 2011, Seção 1, p. 230-232.   WORLD HEALTH ORGANIZATION. Improving health systems and services for mental health. Genebra: WHO Press, 2009.   WORLD HEALTH ORGANIZATION. Mental Health Atlas 2014. Genebra: WHO Press, 2014.   Assinam esta carta:   Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas (ABRAMD) – Núcleo Ribeirão Preto – SP   Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicopatologia, Drogas e Sociedade (LePsis) – Universidade de São Paulo   Observatório de Saúde Mental de Ribeirão Preto   Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) – Núcleo Ribeirão Preto   Laboratório de Pesquisa e Estudo em Práticas Grupais (LAPEPG) – Universidade de São Paulo   Associação Paulista de Saúde Pública – Núcleo Ribeirão Preto   Laboratório de Pesquisa em Políticas Públicas de Saúde (LAPEPPS) – Universidade de São Paulo   Commumitas Laboratório de Estudos em Terapia Ocupacional, social e comunidades – Curso Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo   Fórum Permanente de Discussão da Política de Atendimento em Saúde Mental de Ribeirão Preto