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Proteção em risco: Nota de posicionamento do CRP SP frente às novas regras de adoção e convivência familiar e comunitária


Publicado em: 24 de maio de 2018
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

O Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região (São Paulo), autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, no uso de suas atribuições institucionais, entabuladas na Lei 5.766/1971 e regulamentada no Decreto 79.822/1977, considerando os princípios fundamentais da prática e da ética da Psicologia, em especial em tudo que concerne ao seu compromisso social com a defesa intransigente dos Direitos Humanos, vem a público afirmar posicionamento crítico à Lei 13.509/2017, que produziu profundas alterações em procedimentos sobre convivência familiar e adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente, alertando a categoria e a sociedade em geral sobre suas implicações.   A aprovação da Lei se deu depois de apenas 16 meses de tramitação, durante os quais não foi garantido amplo, necessário e democrático debate com a sociedade e especificamente com setores que trabalham com o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes.   Entre outras mudanças, a Lei 13.509/2017 tornou os prazos mais curtos e as regras mais rígidas para diversos atos pertinentes ao acolhimento de crianças e adolescentes (art. 19, §2º), como: a análise periódica dos casos de acolhimento (art. 19, §1º); o tempo máximo para o estágio de convivência, inclusive na modalidade internacional (art. 46, caput e §3º); o tempo máximo para a conclusão da ação de adoção (art. 47, §10); a propositura de ação de destituição do poder familiar pelo Ministério Público (art. 101, § 10); a retirada da contagem em dobro dos prazos para o Ministério Público e para a Fazenda Pública (art. 152, §2º); a antecipação de estudos técnicos antes mesmo de que a família de origem tenha a possibilidade de apresentar contestação (art. 157, §1º) etc.   De outra ponta, a nova lei reduz as exigências de esforços para a localização dos pais da criança (art. 158, §4º) e também da oitiva deles (art. 161, §4º). Nessa esteira, também as reavaliações dos pretendentes à adoção (art. 197-D, §2º) ganharam prazos maiores.   Além de mudanças em regras e prazos, a lei trouxe a figura do parto anônimo (com a integralidade do novo art. 19-A), que faculta à mãe biológica a possibilidade de mitigar qualquer busca por possibilidades de permanência do filho junto a outros familiares (inclusive o pai). A lei também passa a prever a imediata inscrição de crianças nos cadastros de adoção quando não procuradas por familiares no prazo de 30 dias (também contido no art. 19-A).   Prosseguindo, a nova lei possibilita que o Poder Judiciário contrate peritos particulares para avaliar as famílias e as crianças, em vez de contratar técnicos que atuam oficialmente nos Tribunais de Justiça e que acumulam experiências na condução dessas situações. Além disso, dá ênfase à priorização da adoção frente às outras modalidades de colocação da criança em família substituta (art. 100, parágrafo único, inc. X). A adoção passa a ser prioridade frente a outras modalidades de colocação da criança em família substituta.   Para o CRP-SP, essas mudanças facilitam a ruptura legal dos vínculos familiares de crianças e adolescentes e, portanto, o afastamento da criança do convívio com sua família de origem, aumentando o risco de providências precipitadas, sem o aprofundamento necessário para cada caso, inclusive as avaliações por psicólogos.   Essas mudanças refletem o contexto político, econômico e social atual do país; assim, as mudanças passam a responsabilizar cada vez mais as famílias, sem levar em consideração as dificuldades causadas pelo próprio Estado, que se desresponsabiliza frente à precariedade dos serviços e políticas públicas. Retira, assim, a priorização da permanência da criança em sua família de origem como forma de garantia de direitos.   A aparente escolha do legislador pela promoção de adoções de uma condição excepcional para outra, de maior probabilidade de ruptura de vínculos, alinha-se a um contexto maior, jurídico-normativo, de precarização contínua dos serviços e políticas públicas, com uma responsabilização acrítica das condições pelas quais se materializam os cuidados parentais, confrontando a nova lei, assim, com o sentido dos demais dispositivos do ECA no que concerne à prevalência da família de origem na promoção de direitos da criança, e a uma responsabilização solidária do Estado para com a promoção e proteção dos vínculos familiares, o que invariavelmente se dá por meio de políticas e programas públicos, intersetoriais, universais, e que respeitem a prioridade absoluta no atendimento a direitos de crianças e adolescentes.   O CRP SP, assim, firma posicionamento contrário à visão de que a adoção precisa ser agilizada por prazos mais exíguos por entender que as medidas de proteção fazem parte de uma política pública maior, de promoção, proteção e defesa da convivência familiar e comunitária, e precisa ter como base o respeito à possibilidade de que os vínculos familiares sejam fortalecidos, com primazia da perspectiva da garantia dos direitos infanto-juvenis e da busca pela implementação efetiva da doutrina da proteção integral prescrita pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Constituição Federal.