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25 de Julho é o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela


Publicado em: 25 de julho de 2022

“A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.”

Trecho do poema Vozes-Mulheres de Conceição Evaristo.

Hoje é dia de saudar e reverenciar todas as mulheres negras, as que encontramos no nosso cotidiano e as ancestrais. As cisgêneras, transexuais e travestis, as bissexuais e demais orientações não monossexuais, as lésbicas e as heterossexuais. Aquelas que são mães e aquelas que não querem ser. As mulheres negras com deficiência e as neurodivergentes. Mulheres negras existem, resistem e vozes ancestrais ecoam em todas elas!

Interseccionalidades e mulheres afro-latino-americanas e afro-caribenhas: diálogos com a Psicologia

Você já ouviu falar sobre interseccionalidades? Essa expressão trata da sobreposição de opressões que um indivíduo pode sofrer na sociedade, seja pela raça, classe, gênero, sexualidade, origem, idade, entre outros fatores. Por exemplo, uma mulher trans, preta, periférica e refugiada passa por mais opressões do que um homem branco, rico, heterossexual e que mora na mesma cidade em que nasceu. É nesse contexto que podemos questionar: quantas interseccionalidades são vivenciadas pelas mulheres negras, afro-latino-americanas e afro-caribenhas?

Cientes de que a atuação profissional exige reconhecer as intersecções entre território, raça, etnia, classe, geração, deficiências, identidades e expressões de gênero como marcadores sociais de diferenças, apresentamos os dados abaixo.

O período pandêmico, desde 2020, tem ampliado o abismo social vivenciado pelas mulheres brasileiras. O ponto de partida já demarcou as perspectivas de raça, classe e gênero, afinal, a primeira vítima da covid-19 foi uma mulher negra: Rosana Aparecida Urbano, 57 anos, negra, empregada doméstica. Uma análise feita pelo data_labe, em 2021, laboratório de dados localizado na Favela da Maré (RJ), demonstrou que a desocupação de mulheres negras é o dobro da desocupação dos homens brancos. O local de moradia também influencia na colocação profissional, uma vez que moradoras/es das favelas têm duas vezes mais chances de estar desocupadas/os, também de acordo com o data_labe. Para quem tem emprego, há a problemática da dupla jornada: segundo a pesquisa Gênero e Número, 41% das mulheres que mantiveram seus cargos durante a pandemia passaram a trabalhar ainda mais. As opressões interseccionadas não param por aqui: mulheres negras são mais vítimas de violência obstétrica e, de um modo geral, a população negra sofre mais com hipertensão e diabetes.

Diante de um cenário com tantos obstáculos, as mulheres afro-latino-americanas e afro-caribenhas resistem de diferentes formas. Nesse contexto, e todo dia 25 de julho, celebra-se o Dia Internacional da Mulher Negra, Afro-latina-americana e Afro-Caribenha. Como muitas das datas comemorativas em relação às afrolatinamulheridades, há uma história de luta e reflexões por trás desse dia. Nesse caso, a trajetória tem como marcas o Primeiro Encontro de Mulheres Negras, Latino-americanas e Caribenhas (EMNLC), ocorrido em 1992, na República Dominicana, que também resultou na fundação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora. Desde 2014, a data também é marcada pela memória de Tereza de Benguela, líder quilombola de Quariterê (Mato Grosso), que foi assassinada em meio a uma emboscada no século 18.

Com relação às mulheres afro-latino-americanas e afro-caribenhas, tantos nomes podem ser recordados. Por exemplo, pode-se mencionar Beatriz Nascimento, poetisa, pesquisadora e intelectual, uma das primeiras a questionar por que trabalhos acadêmicos sobre negras e negros eram feitos predominantemente por brancas/os; Carolina Maria de Jesus e os escritos sobre o Quarto de Despejo e outros temas; Lélia Gonzalez e as discussões pioneiras sobre interseccionalidades; Luiza Helena de Bairros, militante do Movimento Negro e da luta das Mulheres Negras e mestra em Ciências Sociais; Xica Manicongo, primeira travesti negra e não indígena do Brasil, queimada viva por recusar-se a ser chamada pelo nome civil. Mais do que lembrar nomes, faz-se necessário recordar também movimentos, a exemplo dos grupos de mães que perderam filhas e filhos para a violência estatal.

A Psicologia também tem suas representantes de peso e, entre elas, podemos destacar: Maria Aparecida da Silva Bento, conhecida como Cida Bento, psicóloga e ativista, doutora em Psicologia pela USP, conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), que atua na redução das desigualdades raciais e de gênero no ambiente de trabalho. Na psicanálise, temos Virgínia Leone Bicudo, socióloga e primeira não médica a ser reconhecida como psicanalista; e Neusa Santos Souza, psicanalista lacaniana bem-sucedida que contribuiu muito para a luta contra a discriminação racial sob o ponto de vista de dificuldades emocionais para tornar-se negra/o. Em nossa área, precisamos nos inspirar em Virgínia e Neusa, ainda mais: necessitamos de mais Virgínias e Neusas para efetivarmos um atendimento antirracista, contra a desigualdade de gênero e com o entendimento das dores, combatermos o epistemicido em relação às referências acadêmicas e ao enfrentamento das interseccionalidades. Assim, será possível promover a saúde mental das mulheres negras e garantir, cada vez mais, que os Direitos Humanos saiam do papel e sejam realidades nas vidas das mulheres latino-americanas e caribenhas.

#PraTodosVerem: Card quadrado. Fundo em marrons claro e escuro. Em segundo plano e na centro-direita, círculo com pinceladas amarelas e alaranjadas, sobre ele, busto em perfil de uma mulher preta, seus cabelos são flores lilases e cor-de-rosa. (Fim da descrição).