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Orientação e recomendações sobre a relação subjetiva com bebês reborns: reflexões éticas, clínicas e socioculturais da Psicologia
Publicado em: 20 de maio de 2025
O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo publica a presente reflexão com o objetivo de orientar a categoria sobre os desafios éticos, clínicos e psicossociais relacionados à crescente popularização dos chamados “bebês reborns” — bonecos hiper-realistas confeccionados para se assemelhar a bebês humanos — que, em certos contextos, têm sido tratados como substitutos simbólicos ou reais de crianças.
O tema tem gerado debates no campo da Psicologia, especialmente no que tange às funções subjetivas desse objeto, aos limites entre simbolização e alienação, bem como à mercantilização de afetos e vínculos em um cenário marcado por desigualdades, sofrimento psíquico e precarização das relações humanas.
Sobre o objeto bebê reborn e seu uso subjetivo
A Psicologia, como ciência e profissão, deve atentar-se ao lugar simbólico que os objetos ocupam na construção e manutenção da subjetividade. Os bebês reborns, ao serem tratados com afeto, cuidados e rituais de maternagem, podem operar como objetos transicionais (Winnicott, 1951), especialmente em contextos de perdas, lutos, traumas ou impossibilidades relacionais.
Do ponto de vista da Análise do Comportamento, o cuidado com o bebê reborn pode ser entendido como um comportamento operante mantido por reforçadores condicionados, como alívio emocional ou sensação de controle (Skinner, 1953). A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), por sua vez, permite compreender que tal comportamento pode funcionar como uma estratégia de evitação experiencial frente à dor psíquica, sendo essencial avaliar se essa prática está conectada a valores pessoais ou se promove rigidez comportamental que limita a vida do indivíduo (Hayes, Strosahl & Wilson, 2012).
Assim, a função psicológica do objeto — e não sua forma — é central para a análise clínica e ética da Psicologia.
Implicações éticas e clínicas
O Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o orienta que a atuação profissional deve estar comprometida com a dignidade, a saúde e a autonomia das pessoas (Art. 1º). Nesse sentido, a atuação diante de pessoas que mantêm vínculos afetivos com bebês reborns deve ser pautada pelo respeito às vivências subjetivas e pela escuta empática.
Contudo, é igualmente necessário que a/o profissional avalie se o comportamento de interação com o bebê reborn está associado à ampliação ou à restrição do repertório comportamental da pessoa. Quando há prejuízo significativo no funcionamento social, relacional ou emocional, a/o profissional deve considerar intervenções que promovam flexibilidade psicológica e enfrentamento das experiências internas difíceis (Hayes et al., 2012).
Considerações sobre o contexto social e de mercado
A crescente oferta e popularização dos bebês reborns revelam também uma dimensão social e mercadológica preocupante: a mercantilização de afetos e a exploração de dores psíquicas por meio da venda de objetos hiper-realistas que prometem conforto emocional.
A Psicologia deve se posicionar criticamente frente à instrumentalização de vínculos afetivos em um mercado que, muitas vezes, se vale de discursos idealizados de maternidade, cuidado e reparação emocional, especialmente direcionados às mulheres.
É fundamental que a categoria reconheça o viés de gênero presente na forma como certos comportamentos são moralizados, ridicularizados ou patologizados quando praticados por mulheres, enquanto são naturalizados ou até valorizados quando associados aos homens. O cuidado simbólico com bebês reborns, por exemplo, é frequentemente alvo de escárnio público, sendo tratado como sinal de desequilíbrio emocional ou regressão infantil. No entanto, práticas análogas — como coleções de action figures, miniaturas, kits de futebol ou hobbies ligados à nostalgia —, quando exercidas por homens, raramente são alvo do mesmo julgamento. Essa assimetria revela como o discurso social constrói padrões normativos que punem de forma mais dura os modos femininos de expressão emocional, sobretudo quando estes se articulam à maternidade e ao cuidado. A Psicologia, comprometida com os direitos humanos e com a ética do cuidado, deve denunciar essa desigualdade simbólica e discursiva, posicionando-se contra a instrumentalização do sofrimento feminino em um mercado que reforça estereótipos de gênero e explora afetos femininos como produtos de consumo.
Orientações à categoria
Diante do exposto, recomenda-se que profissionais da Psicologia:
- Escutem, com respeito e sem julgamento, os sentidos subjetivos atribuídos ao bebê reborn;
- Avaliem a função psíquica e comportamental que o objeto desempenha na vida da pessoa, considerando o contexto e a história individual;
- Reconheçam situações em que o uso do objeto pode estar associado a processos de luto, trauma ou outras formas de sofrimento, e orientem, quando necessário, para processos de cuidado psicológico;
- Não reforcem ilusões que possam comprometer a autonomia ou agravar o sofrimento psíquico da pessoa;
- Denunciem práticas mercadológicas que se valem de sofrimento psíquico ou que promovam pseudociência ou promessas terapêuticas infundadas;
- Produzam debates críticos e interdisciplinares sobre os limites éticos da substituição simbólica de vínculos humanos por objetos.
Considerações finais
A atuação da Psicologia diante do fenômeno dos bebês reborns exige uma escuta qualificada, crítica e ética, que considere os múltiplos sentidos dessa prática no contexto individual, cultural e mercadológico. Cabe à profissão atuar na promoção da saúde mental, na defesa da dignidade humana e na ampliação dos recursos simbólicos e comportamentais de enfrentamento do sofrimento.
#ParaTodosVerem
Card quadrado, fundo branco com grafismos em cinza. Nas laterais; ilustração de triângulos, alguns ilustrados apenas em contornos e outros nas cores azul, roxo e rosa. Ao centro, ilustração de esferas coloridas e interligadas. (fim da descrição)
Referências Bibliográficas
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o. Brasília: CFP, 2005.
SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 1953.
HAYES, S. C.; STROSAHL, K. D.; WILSON, K. G. Terapia de aceitação e compromisso: o processo e a prática da mudança consciente. Porto Alegre: Artmed, 2012.
KOHAN, W. O. Objetos e afetos: notas sobre transicionalidade e formação. In: Revista Educação e Filosofia, v. 27, n. 54, 2013.
BIRMAN, J. O sujeito na contemporaneidade: espaço, dor e desalento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
ORLANDI, T. M. & MACHADO, A. B. Maternidade e práticas sociais: discursos e subjetividades. São Paulo: Cortez, 2018.