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Literatura




VIII Prêmio Arthur Bispo do Rosário

Categoria: Literatura

Jurados:  Lilia Reis, Raonna Martins e Guilherme Magri da Rocha

 

 Nome da Obra:  Quem sou eu
 Nome do autor e cidade: Paulo Sergio Gonçalves (Guaíra)
 
  Sou o canto dos pássaros que ainda não nasceram.
  O estralo da maçã que outrora fora mordida.
  Sou os “meios”, os porões, os escanteios,
  as terras longínquas e as florestas desconhecidas.
  traído por heróis, adotado por ladrões,
  sou neurotransmissor de deusas enfurecidas.
 
  Sou o prazer de um trago.
  Derivo de loquidos e células,
  segundo nomeação nos livros de química e biologia.
  Mas refuto veementemente:
  sou Paulus.
  Desembalados, abalados e inacabados
  Paulus, de infernos, de céus cansados
  de minha alma a ser vivida.
 
  Sou o encontro desmarcado
  às três, de madrugadas inflamadas,
  da saliva de homens amados
  a ter em mim pelos inundados
  por meus gozos escaldantes
  com vinhos e trufas amassadas
  queimando pontas que vós deixais flutuantes.
 
  Sou as etiquetas mal costuradas.
  O tecido podre consumido por traças
  Os cães vorazes.
  Sou o castigado, o cuspido e humilhado,
  de pequenas estaturas, estetas e caretas
  com suas absolutas e “perfeitas” verdades.
  A vós, em desenvolvimento, eu falo:
  minhas armas são simples: papel, caneta, borracha e um bom lápis apontado.

 

 

Nome da Obra:  Adeus 
Nome do autor e cidade: Erica Aparecida Jenuíno (Biritiba Mirim)
 
  Ela agonizava
  Em meio a sua própria solidão.
  Agonizava, gemia de tão imensa que era a dor do seu existir.
  A angústia a abraçava constantemente.
  A tristeza batia à sua porta dia e noite.
  Enfraquecera-se.
  Não se suportava mais.
  E, num momento de desespero,
  Decidira partir,
  dissipando-se para o universo.
  Sua imensa dor fora compartilhada com aqueles que a amavam.
  E deixara boas lembranças para aqueles que desfrutaram seu existir.

 

 

Nome da Obra: Ode ao artista autista altruísta 
 
Nome do autor e cidade: Alexandre Flores da Silva (Mirassol)
 
 Eu quero agora o meu Eu liberto para me refazer com o Outro.
 E Eu quero usar o meu Eu, contido no Eu, a favor do Outro, contido no Outro.
 E quero isto desde que o Eu era um Eu latente pela causa do Outro.
 E desde que o Eu temia estar na frente de todo o contexto do Outro.
 
 Mas eis a minha mais militante aspiração: revelar através da arte o meu Eu,
 o seu Eu e aquele Eu que se perderam no tempo do esquecimento...
 E também aqui o Eu-Outro-Eu, e também ali o Eu-Outro-Eu, e também acolá aquele Eu-Outro-Eu.
 E este novo tempo tem, na sua mais nobre alcunha, uma nova realidade...
  uma nova veracidade... uma nova inventividade...
  Do Opiparo Artista, do Cognoscente Autista, do Indizível Altruísta!
 
  No au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Dançarino com todas as suas danças...
  e com todos os movimentos de todas as danças.
  Pois Eu sou todo dança... e nela Eu estou... e nela Eu apareço...
  e nela Eu me alegro... e nela Eu me integro.
  E, no seio da dança, Eu me reconheço na confluência da sua organicidade, dos seus compassos, das suas particularidades, do seu balé, do seu baile, do seu bailado.
 
  No au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Pintor, pois lá estão todos os meus pincéis com todas as minhas técnicas, e com todas as minhas formas,
  e com todas as minhas cores.
  Porque a pintura é pintada por um Pintor reencontrado... que descobriu a sua importância de ser para toda a gente... de indivíduo influente... de pessoa resistente... de pensador instigante... de colaborador mitigante...
 E que, perante o seu mais convidativo e novel espelho, à sua melhor tela, consegue imprimiras suas mais excelsas imagos.
 
 No au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Escultor com todas as suas mais novas possibilidades
 dentre todas as mais novas esculturas.
 Nela Eu consigo produzir a mais perfeita escultura escultural... como um novo manifesto cultural... como a nova luta memorial... como uma intensa epistemologia social... um panfleto necessariamente dorsal ou o mais recente neologismo surreal...
 E, nela, Eu consigo me ver em todas as suas dimensões, por toda a sua silhueta, e com todas as suas singularidades.
 
  No au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Arquiteto que ali está com todas as arestas e adornos necessários e carecidos ao entalhe do bom edifício.
  Um edifício no qual as minhas assinaturas são as mais especiais dentre todas as demais.
  Pois o projeto foi todo planejado por mim... com todo o seu mais puro raciocínio...
  e com toda a sua mais pura iluminura... e com todo o seu mais puro salto do texto para a transmutação geométrica.
  Nela Eu criei o meu melhor tracejo, que contém a éter engenharia... e a infinda ambientação...
  ou uma integração que pulsa como um gigante coração.
 
  No au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Musicista com todas as suas mais novas letras, e novas poesias, e novas notas, e novos acordes, e novos movimentos, e novas partituras, e novos instrumentos.
  As Minhas composições são mais especiais porque são profusasdo meu mais romântico cancioneiro.
  E Eu posso vislumbrar toda a sua subjeção... toda a sua afirmação... toda a sua resignação... toda a sua confluência... e toda a sua mais humanista e imácula comunhão.
 
  No au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Personagem, e que ali está com uma diversidade de papéisjamais inexplorados por um teatro, e que espera ansioso por uma chance de atuar.
  O seu palco, o seu cenário, a sua roupa, a sua iluminação, a sua música, o seu texto, o seu monólogo, o seu prólogo e a sua mais novapersona são todas buliçosas.
 Porque é preciso reivindicar tudo o que já foi esquecimento... tudo o que já foi lamento... tudo o que já foi desalento... e recriar a nova apolínea... e o novo alento... matutado na mais maravilhosa aventura.
 
  No au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Escritor... com todos os seus fonemas, com todos os seus morfemas, com todos os seus lexemas, com todos os seus sintagmas, com todo o seu texto.
  E quão lindo é o crescente à medida que o poético se sente; e que na conjuntura dos signos faz nascer a movente lírica, o contente sema, a recente rima, a proeminente rema; um coerente tema da minha mais nova linguagem.
  E Eu quero que seja a escrita com engendro... para que da linguagem-arte possa o endro transformar o todo linguístico... aquele mais corriqueiro... por fora e por dentro.
 
  Mas eis ainda o meu maior desejo: retratar através da arte o meu Eu, o seu Eu e aquele Eu...
  E também aqui e ali e acolá o Eu-Outro, e também o Outro-Eu, e também o Eu-Outro-Eu.
  E este novo tempo terá sempre um grande silogismo... que há de se chamar... na nova realidade... na nova veracidade... na nova inventividade...
  Aquele do Maior Artista Maior!!!
  Porque Autista!!! Porque Altruísta!!! Porque Meritório!!!

 

 

  Nome da Obra: Arthur, Bispo do Rosário 
 
Nome do autor e cidade: Reijane Brasileiro Garcia (Campinas)
 
 Em mil novecentos e onze
 Nasce menino sergipano
  pobre, negro, nordestino.
  Mas o traiu o destino!
  Arthur Bispo do Rosário
  foi boxeador, biscateiro,
  trabalhou até com bonde.
  Foi marinheiro, guarda-costas
  e empregado doméstico
  na casa de um advogado!
  Quando, aos trinta e oito anos,
  teve um delírio místico...
  O psiquiatra diagnosticou
  que tinha esquizofrenia.
  Então o patrão o levou
  para morar no manicômio!
  Sua vida, já sofrida,
  em meio a tudo que o afligia,
  não sabia que a vida
  à prisão o levaria.
  No hospital dos alienados,
  que recebia esquizofrênicos,
  alcoólatras e “desviados”,
  era extrema a exclusão.
  Porém este nobre homem
  era “gênio ou louco”, não se sabe.
  Mas fica a pergunta que insiste:
  Qual o limite que existe
  entre a loucura e a genialidade?!
  Pois, mesmo trancafiado,
  ensimesmada solidão,
  criou uma gama de obras
  e seus mantos de varão.
  Teve um museu fundado.
  Mostrou que, mesmo na prisão,
  ele tinha liberdade
  de expressar, pela arte,
  a angústia e a saudade
  da vida que lhe foi roubada
  no manicômio, por nova morada,
  assim como na vida, a saudade!
  Fica a reflexão.
  de que a guerra contra o manicômio
  também não foi em vão,
  por essa história de vida
  que o nosso amigo Arthur
  deixou às futuras gerações.
  Foi mártir, pela sua paranoia,
  de trazer para convivência,
  pelas mãos da vida-arte,
  toda gente que sofre
  de angústia, esquizofrenia
  depressão e ansiedade!
  Então deixo a homenagem
  ao grande homem que representa
  muita gente, nesta paragem,
  que tem algum transtorno,
  que convive com a doença.
  Seja a arte o sublime
  que norteia a inclusão!

 

 

Nome da Obra:  Mais que verdade
 Nome do autor e cidade: Jessica da Silva Ferreira (São Paulo)
 
  Mais que verdade
  quero ver os favelados na faculdade.
  Pros pequenos, na favela onde eu vivi,
  vê-los morrerem de rir ao lerem
  pra esquecerem os problemas do dia a dia
  que batem à porta sem dizer bom dia:
  fome, reintegração de posse
  fogo, que leva o pouco,
  é fogo mesmo sem coro.
  O choro do povo, sem teto no morro,
  vira crise sem consolo.
  E se repete a mesma história,
  e nada muda nessa trajetória.
  O que sobra são cinzas de meses e anos
  batalhando pra pagar o tão sonhado sofá
  ou aquela televisão que só em sonho dá
  pra comprar.
  É engraçado criticar
  nós que viemos de lá.
  Respiro, reflito como é difícil
  ver as crianças se espelharem no mar,
  que cheira sofrimento sem lamento.
  Vejo os mares de sangue entre os becos
  e vielas.
  Sejam as velas a luz que ilumina
  onde não tem energia, nem alegria.
  A dura realidade da vida
  se torna protagonista dos meninos da vila.
  É que aqui os destinos são trágicos,
  cheios de cravos, sem rosas cheirosas,
  sem laços,
  só falsos.
  Mas já estamos acostumados.
  E basta ser negro,
  estilo jogado, favelado,
  que é ladrão e não tem direito a ser
  cidadão.
  Pra muitos era traficante.
  O povo queima colchão
  Revolta no coração.
  Mais um choro de uma mãe em vão.
  É que na constituição não há lei contra assassino fardado
  que mata favelado.
  Só há regras pra beneficiar
  empresários e deputados.