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VI Prêmio Arthur Bispo do Rosário - Categoria Contos e Crônicas




VI Prêmio Arthur Bispo do Rosário
Categoria: Contas e Crônicas
Jurados: Ivan Ângelo, Oscar D´Ambrósio, Wladyr Nader.

 

Nome da Obra: Marcelinho, Pão e Ninho (1º Lugar)
Nome do autor e cidade: Maria Valéria Revoredo (São Paulo
)

Hoje estou feliz. Todos me olham, dizem meu nome e sorriem. Talvez eu gostasse de ser médico se não tivesse nascido com a Síndrome de Down. Se não tivesse sido internado por 16 anos num hospital psiquiátrico devido às minhas crises de agressividade. Mas isto é complicado demais para mim. Eu nem tenho este raciocínio. Bom mesmo é brincar de médico! Ah! Disto eu gosto... E quando os enfermeiros se distraem vou ao Posto Médico regular o soro dos velhinhos. Está cheio deles agora. Dou uma espiadinha no soro, faço pose de doutor e eles me olham, agradecidos. Não dizem nada, mas as bocas estão sempre abertas. Logo entra um enfermeiro e diz: - Marcelinho!... Vá para o pátio! E eu vou. Uma das poucas coisas que sei é reconhecer a beleza, e o dia está lindo!
Apareceu um cachorro aqui. Mamãe pergunta se é meu e o chama de Lulu. Ele tem um pelo branco bem feio, todo em tamanho desigual, e não para de andar atrás de mim. Tudo que derrubo ele come. Acho graça. Parece que ele gosta das mesmas coisas que eu.
Hoje, antes que Lulu me encontrasse no pátio, eu vi uma cadeira! Daquelas de rodas, que trazem os velhinhos! Não sei o que ela está fazendo ali sozinha, mas não posso demorar a me sentar nela. Ah... Enfim! Sempre tive essa vontade! Agora posso passear pelo pátio todo, girando as rodas com ar importante, todos os meus amigos me olhando com admiração!
Chamando meu nome, levantando uma das mãos expressando um cumprimento, ganhando meu sorriso. O enfermeiro viu, mas me deixou mais um pouquinho. Deve ser bom ficar velhinho. Ficar na cama sem dizer nada, a boca aberta, talvez esperando que alguma coisa gostosa chegue para se comer. Eles não falam nada, dizem que esqueceram quem são. E os colocam nas cadeiras para que no pátio olhem árvores, flores e pássaros, com suas bocas abertas.
Lulu não fica perto deles. Só anda atrás de mim. Eu sempre derrubo uma parte de tudo o que como, e além do que mamãe me trás tenho minha conta na cantina. Eu mesmo não posso pagar. Não conheço o valor do dinheiro e jamais pediria troco. Atende-me tão bem o moço da cantina! Coloco meu dedo sobre o vidro da estufa e não preciso dizer mais nada. Ele é quem diz: - Marcelinho!... Como poderia aceitar que alguém que dissesse meu nome assim, com tanto carinho, me devolvesse mais notas em troca da única que lhe dei?
Lulu me segue, mas nada diz. Apenas me olha com olhos de esperança, a boca aberta e a cabeça um pouco caída para o lado. É tão bom ter um cachorro feio! Ele tem um ar de tristeza, mas ninguém o internou aqui. Na sua magreza, consegue passar pelas barras de ferro do portão. Eu não passo. Meu mundo é onde me colocam, é onde cuidam de mim. Não tenho vontade de saber o que há lá fora, pois quem sabe meu nome está aqui. Passei pelo portão de casa uma vez, devia ter uns cinco anos. Desci a ladeira sozinho, achando que o mundo era lindo, mas tremia de medo por dentro do meu sorriso. Logo mamãe apareceu correndo atrás de mim. Dizem que há perigos. E que minha família quer que eu seja bonzinho.
Amo quase todos que gostam de mim. Não sei por que de repente quebro tudo o que vejo na frente. Não sei por que usava o rodo para deixar mamãe com galos na cabeça. Eu a amo muito. Principalmente quando ela faz as coisas do jeitinho que eu quero. Ela sabe das minhas rotinas. Não gostava de outras pessoas em casa, não queria mais visitas. E não queria que esquecessem suas bolsas em minha casa. Entregava-as aos visitantes – ainda que fossem minhas irmãs – e balbuciava: - Bóia! Quem me ama e compreende sabe que quero que vá embora. Preciso ser feliz e cumprir minhas rotinas. Se tomei soda ontem, quero também hoje e depois, todos os dias. E se o padeiro não guardar minha coxinha... Ah! Não posso aceitar que mudem minha rotina! Ele faz tantos pães... Então que os venda e guarde a coxinha para mim. Mas isto já é passado, nem me recordo mais.
Aqui no hospital me socializei. Papai morreu eu nem tinha três anos, gosto da companhia masculina. Aqui tem menos coisas para se quebrar, mas de vez em quando percebo que cortei minhas mãos nos vidros da janela. Sou um menino de muita sorte... Quando perco a cabeça viro as camas, mesmo com pacientes em cima. Eles são do meu tamanho, mas sabem que sou um menino. Repetem sempre meu nome: - Marcelinho! E gostam de mim mesmo que eu vire suas camas.
Não me lembro mais como vim morar aqui. Dizem que aqui é um hospital, mas gosto desta escola. Há rotina. Não gosto de sair para passear e nem de ir à casa de mamãe. Prefiro que ela venha sempre aqui. Na hora do chá quero meu copo na mão e meu lugar na fila. Não posso perder meus momentos prediletos. Eu gosto de furar a fila, e meus amigos acham graça.
Lembro-me de um líquido morno rolando pelo meu rosto, mas eu não estava chorando. Arranquei o curativo e os pontos que costuravam minha cabeça e ouvi um doutor dizer que o que escorria era líquor. Lá se foi a última esperança de mamãe... A cirurgia não adiantou, mas não foi por minha culpa. Eu apenas tirei os pontos e assim o líquor vazava, Não entendi muito bem. Visitei médicos e psicólogas e quando eu me recusava a sair do carro eles vinham me ver lá dentro. Decidiram operar minha cabeça para que eu pudesse morar para sempre com mamãe. Fariam uma lesão entre o tálamo e o hipotálamo para que eu perdesse a agressividade. Não entendo nada disso e não dei a menor atenção. Vi em todos muita preocupação. Uma psicóloga foi contrária à cirurgia, alegou que não funcionava em esquizofrênicos. Mas eu era Down. E o médico contrariou a ordem da diretoria do hospital, resolveu me operar junto com um especialista que viria da Argentina só para me atender. Era especialista em consertar cabeças. Mamãe estava decidida: queria-me para sempre a seu lado.
Eu atirava longe a geladeira, o fogão. O que importava se havia fogo nele? O óleo quente não fazia nada, só fritava as coisas. Então eu pegava o rodo ou uma vassoura qualquer e saia quebrando os vidros, arrancando cortinas. Depois batia na cabeça de mamãe. Ela chorava e eu a amava mais a cada dia. Ela sabia quando tudo aconteceria, pois meu rosto se transformava um pouco. Eu assumia um tom sério, uma cara fechada como janela com vidros inteiros e cortinas. Meus olhos se descontrolavam e minhas íris entravam num movimento circular sem que eu soubesse como. Mamãe dizia que eram olhos de bolinha. Os vizinhos vinham todos, eu gostava deles. Seguravam-me, acalmavam mamãe e chamavam a polícia para que me levassem ao Pronto Socorro. Infelizmente a ambulância não atendia estes casos. Ah! Eu teria gostado tanto de passear na ambulância, com a sirene tocando, tocando, e girando como meus olhos de bolinha... Mas não era possível. Então eu passeava feliz com a polícia, e no Pronto Socorro me davam uma injeção. Entristecia-me saber que a polícia tinha ido embora... Eu queria voltar para casa no carro dos policiais, brincar mais um pouquinho. Também não era permitido e mamãe chamava um táxi. Então vinha um sono... Eu ficava irritado. Mamãe já não podia dirigir comigo, pois eu bati em seu rosto enquanto ela dirigia. De outra vez, estava sentado no banco de trás e agarrei-a pelos cabelos. Sei que ela precisava dirigir, mas eu precisava ver o que aconteceria. Amo-te tanto mamãe. Não sei por que faço isto, nem porque meus olhos de vez em quando giram assim como bolinhas. Não. Não quero esparadrapo na cabeça nem estes pontos que me pinicam. Por isto eu os tiro. Não fui para o CTI como esperavam, nem quis dormir no hospital. Nada me sedou, saí do centro cirúrgico acordado. Ouvi um doutor dizer que durante a cirurgia houve manutenção de anestesia, pois eu queria acordar. Queria voltar para casa. Já no quarto levantei-me da cama e fui me sentar na sala de visitas. Aguardava que entendessem que eu não dormiria no hospital, queria a minha cama. Recordo que os médicos se olhavam, sem saber o que fazer. O que falava de anestesias disse que jamais havia visto um caso como o meu e que imaginava que os remédios não me sedassem por causa da minha massa muscular. Eu não imaginava nada, estava cansado, queria minha cama e mamãe do meu lado, em casa. Deram-me alta. O cirurgião queria seguir o carro de minha irmã, estava assustado.
Vejo mamãe ficar triste quando lhe perguntam por que estou internado aqui, pelo SUS, no Hospital Psiquiátrico Dr. André Teixeira Lima, na cidade de Sorocaba. As pessoas não compreendem que os portadores de Síndrome de Down não são todos iguais, como meu tio careca não é igual ao outro, que tem cabelo. Aqui eu a tenho sempre por perto e ela não me atrapalha as rotinas. Aqui completei 36 anos e tenho sido feliz sim, embora alguns não compreendam. Conheci muitas pessoas, fiz amigos, dividi com eles o que ganhava de mamãe e das minhas irmãs. Como eu era feliz dividindo meus salgadinhos e biscoitos! Mamãe sempre me levava coisas a mais para que eu pudesse distribuí-las. Eu sabia que jamais as coisas gostosas me faltariam, mamãe jamais deixaria de me visitar. Veio morar sozinha nesta cidade para poder me visitar várias vezes por semana. Eu beijo muito sua cabeça. Não sei pedir perdão pelo que fiz. Mas sei beijar.
Estou partindo. Contraí tuberculose e meus exames não a acusaram. Meu organismo já está cansado de tantas pneumonias. A média de vida prevista para mim era de 35 anos. Mamãe conseguiu me segurar entre os braços até os 36. Não poderei mais dividir minhas coisas com os amigos, nem ajudarei a cuidar dos velhinhos. Lulu ficará magrinho. Passará facilmente através do portão e encontrará outros caminhos. Por favor... Quando mamãe chegar digam a ela que a amo muito. Se não souberem falar, olhem para ela e sorriam. Ela entenderá. Balbucio poucas palavras, mas mamãe me entende. Ela entende até o meu olhar. E sempre que a olho, sorrio...

 


 

Nome da Obra: Retratos de Sanidade (2º Lugar)
Nome do autor e cidade: Thiago Espósito Silva (Torrinha
)

Caminhou até a porta e fez sinal para a enfermeira que se mantinha no corredor. Ela se aproximou, e ele, com a papeleta em mãos, pediu gentilmente que trouxesse um de cada vez, os novos pacientes até sua sala. A mulher atendeu-o prontamente, afastando-se para buscar os respectivos internos. Enquanto esperava, colocou-se de pé em frente à parede lateral do consultório, onde ficava pendurada uma reprodução fiel de um quadro do pintor holandês Vincent Van Gogh.
Carlos era um grande apreciador de artes, pensou até mesmo na época do vestibular em prestar algum curso ligado à área – que na época era sua grande paixão – mas foi convencido pelo pai a cursar medicina, pois este sempre dizia ao filho que aquele ramo “não dava dinheiro”, ou então, que arte era coisa de “maricas”. Mas ali, no consultório, ficava inebriado sempre que se colocava a observar o dinamismo daquelas grossas pinceladas. A sensação sobrenatural de vertigem que sentia ao firmar os olhos em determinados pontos do quadro o fascinava. Fascinava-o ainda mais a ideia de que todo aquele trabalho – dentre centenas de outros tão geniais quanto – havia sido criado por um homem que, em sua época, foi considerado um lunático, um doente mental, tendo sido, portanto, ele e sua obra, duramente estigmatizados por sua geração. No entanto, agora, décadas depois, fora absolvido do ”pecado da loucura” e colocado no panteão dos maiores gênios da criação. Se pudesse – pensava – desejaria voltar no tempo na condição de psiquiatra para poder investigar que tipos de sentimentos moveram aquele homem, que motivações, vivências ou perturbações do espírito o fizeram pintar daquela maneira tão vigorosa, apaixonada, e ao mesmo tempo dissonante com relação aos demais artistas que lhe foram contemporâneos.
A enfermeira bateu à porta fazendo Carlos sair daquele transe pictórico em que se encontrava. Avisava-o de que o primeiro paciente estava ali aguardando. Então, caminhou até a mesa do consultório pegando a papeleta do interno. Deu ordem à enfermeira para que ele entrasse.
O interno adentrou a sala. Carregava penduradas junto à roupa, uma infinidade de chaves e uma caneca. O médico fez sinal apontando para a cadeira. Sentaram-se.
– Seu nome é Lúcio? – dizia Carlos olhando na papeleta.
– Não! Meu nome não é Lúcio!
O médico olhou novamente a papeleta pensando ter lido errado, e confirmou que o nome escrito ali, de fato, era Lúcio. Então insistiu:
– Mas aqui nos meus papéis seu nome está Lúcio... – disse ao paciente.
– Jamais acredite nos papéis, doutor! – respondeu levemente exaltado – Durante muito tempo eles me fizeram achar que meu nome era Lúcio, mas agora descobri que não é.
– E como descobriu isso? – indagou com curiosidade o médico.
– Um amigo meu me disse. Disse que Lúcio parecia nome de mulher, então resolvi mudar. Já pensou se alguém me confunde com uma mulher?...
– Mas você não se parece com uma mulher. Nem seu nome. Acredita que mesmo assim te confundiriam com uma mulher?
– Nunca se sabe a cabeça das pessoa né doutor. A cabeça das pessoa é muita maldade.
– Entendi. – retorquiu o médico em concordância.
– E como se chama agora?
– Agora me chamo Pedro.
– Então me diga, Pedro, por que você carrega tantas chaves penduradas em sua roupa?
Então, o paciente começou a contar o significado de todas aquelas chaves:
– Quando meu amigo me batizou de Pedro, ele me deu uma chave e essa caneca. Disse que quando eu conseguir juntar mil chaves, com qualquer uma delas eu conseguirei abrir qualquer porta! Já tenho setecentas e vinte duas! Daí eu vou sair daqui e abrir a fechadura de todas as prisões e soltar todo mundo que tá aqui dentro e lá fora! Vou soltar o senhor também, doutor! O senhor também está preso. Acha que não está, mas está. Quero livrar todas as pessoas!
O médico deu uma pausa para fazer as anotações de tudo aquilo que ouvia, e para concluir formulou uma nova questão:
– E essa caneca Pedro? O que faz com ela?
– Com essa caneca eu tomo água da chuva. A gente deve evitar tomar água daqui, eles devem colocar alguma coisa na água que deixa a gente ruim... A gente toma um monte de remédio pra sarar e aqui tá sempre ruim. Desconfio que é a água. Nunca se sabe o que eles podem fazer com a gente, né doutor? Então sempre que posso tomo apenas água da chuva com essa caneca!
O médico terminou a consulta e dispensou o paciente, chamando em voz alta o próximo da lista a ser atendido:
– Cristóvão!
O interno era um senhor negro, de barba branca cerrada, e estava totalmente envolto em um cobertor grosso de lã. Lembrou-se de tê-lo visto dias atrás no pátio, no horário do banho de sol, também enrolado naquele mesmo cobertor. Pediu que ele se sentasse. Dirigiu-se a ele, então, consultando a planilha que continha seus dados:
– Olá Seu Cristóvão! É Cristóvão o seu nome, correto?
O homem balançou a cabeça em sinal afirmativo. Carlos percebeu imediatamente que o paciente era do tipo que falava pouco ou um tipo desconfiado que apresentaria certa resistência verbal. Fez mais algumas perguntas de caráter informal, com o intuito de deixá-lo bastante à vontade. Percebendo-o mais confiante, ousou:
– Me diga senhor Cristóvão, tenho a impressão de que já vi o senhor outros dias, e até mesmo durante o banho de sol o senhor usava esse cobertor que está usando agora. O senhor por acaso sente muito frio?
– Não. – respondeu o homem, monossilábico.
De acordo com seu repertório pessoal e da observação de casos semelhantes, o médico tentou então uma pergunta aparentemente óbvia, no entanto efetiva:
– Então, por acaso, esse cobertor teria algum tipo de poder mágico? O senhor o ganhou de alguém especial?
– Também não. – respondeu novamente de forma concisa.
O jovem médico, com sua relativa experiência, ficou intrigado com aquelas duas respostas curtas e negativas do homem. A atitude defensiva dava-lhe a impressão de estar envolto em uma barreira de chumbo, e não em um maltratado feltro. Decidiu então reelaborar cautelosamente sua abordagem:
– Pois me diga o senhor então... Por que está sempre enrolado neste cobertor, até mesmo durante os dias ensolarados? Poderia me dizer?
O homem que até então olhava o médico com desconfiança, evitando o tempo todo entrecruzar seu olhar com o dele, dessa vez o fez para responder:
– Sim! A resposta é muito simples! – fez uma breve pausa e prosseguiu – Já há algum tempo, eles que vivem lá no lado de cima da bola, planejam nos atacar para dominar nós que estamos aqui em baixo da bola, e todo o resto. Farão isso com suas armas nucleares! Devemos nos proteger de seus aceleradores de partículas, que irão explodir e causar um longo inverno nuclear! Com este cobertor eu irei sobreviver à catástrofe atômica!
O médico ouvia atenciosamente o relato do paciente, e suas mãos iam elipticamente anotando no papel como se tivessem vontade própria. O que ouvia daquele “doente mental”, em partes, não era nada absurdo. Era no mínimo digno de figurar nos melhores roteiros de ficção científica, pensou. Por fim, o homem concluiu:
– Por isso, recomendo a todas as pessoas que utilizem seus cobertores anti-atômicos, faça o tempo que fizer. Não sabemos ao certo quando chegará o inverno nuclear, mas está bastante próximo. Pode ser a qualquer momento, então devemos nos proteger!
Ao terminar as anotações, o médico concluiu que já havia coletado informações suficientes do paciente para aquele dia. Então encerrou dizendo:
– Muito bem Seu Cristóvão. Foi um prazer conhecê-lo. Por hoje conversamos bastante, mas espero vê-lo novamente na próxima semana!
O médico levantou-se e acompanhou o homem até a porta, onde do lado de fora a enfermeira o esperava. Antes de seguir com ela, o paciente fez uma breve parada e ainda completou:
– Doutor, providencie logo um cobertor desse pro senhor também. E ajude a avisar a todos sobre o perigo nuclear!
O médico apenas fez um sinal de positivo como a cabeça. Após o aviso, o paciente deu as costas e caminhou lentamente sendo levado pela enfermeira.
Carlos voltou para sua mesa e fez mais algumas anotações sobre os pacientes que atendera até ali. Passaria horas refletindo sobre a sabedoria incomum contida nas palavras daqueles dois internos considerados “loucos”, não fosse o desconforto de uma pontada na barriga, como se seu estômago tivesse vida independente. Interrompeu então sua reflexão a fim de retomá–la em outro momento, pois já era hora do almoço.

 


 

Nome da Obra: Mundos Paralelos (3º Lugar)
Nome do autor e cidade: Simone Alves Pedersen (Vinhedo
)


Mais uma vez eu chego à Estação da Luz. São seis horas da manhã. O orvalho ainda umedece o ar e os pássaros esticam as asas preguiçosamente. Entro no trem que conduzirei até a Estação de Santos, no litoral paulista. A viagem demora quase três horas. Lá, almoço e, à tarde, reconduzo minha máquina de volta à capital paulista. É um privilégio conduzir este trem dos anos cinquenta, todo restaurado, viajando pelos mesmos trilhos que possibilitaram o desenvolvimento da região.
Quando apito meu trem, escuto os passageiros aplaudirem. Nenhum meio de transporte é tão romântico como este. Entramos na natureza em trilhas sinuosas, como uma cobra se esgueirando pelo mato. Invadimos a privacidade da mata, que se desnuda em flores, plantas, árvores e caídas de água.
Terra que foi virgem por séculos, já que índio não macula a castidade da natureza, a Mata Atlântica é surpreendente. Já vi onça pintada, macaco prego, pássaros de todas as cores – inclusive tucanos – voarem alto com medo do rugir do trem. Hoje, acostumados, eles parecem me aguardar.
Faço esta viagem uma vez por semana, aos domingos. É o melhor dia de trabalho na Ferrovia. As pessoas que viajam transbordam felicidade. Algumas passam o dia na cidade portuária, outras gostam de salgar a alma na praia. Crianças entoam canções alegres com arranjos de gargalhadas. Balões coloridos cambaleiam pelo teto do vagão, como se estivessem tontos de sono, mas sempre voltam misteriosamente para as mãos da criança que os chama.
Vários passageiros repetem a viagem. O filme que passa pelas janelas é demasiadamente rico em detalhes para ser saboreado uma única vez. São tantas espécies de plantas e flores... Nem o arco-íris é tão colorido. Costumo fazer uma pausa bem no meio da Mata Atlântica, onde as pessoas podem absorver um pouco desse lugar raro. O cheiro de mato tem o poder de desarmar qualquer cara enfezada.
Eu conduzo o trem como conduzo minha vida: com muita responsabilidade. O trem é um ninho cheio de filhotes e eu sou a ave-mãe. Tenho que zelar pela segurança dos passageiros. Eu sei que eles se sentem no colo da infância, com este leve balançar. As memórias acordam e aquele bem-estar que sentíamos quando a mãe assoprava um machucado ou dava um beijo de boa-noite, toma conta de nosso ser. Confortante. Morno. Aconchegante. Assim é o trem.
Reconheço os casais enamorados de longe. Sentam-se bem pertinho um do outro, mesmo que haja muitos lugares vagos. Prestam atenção em cada flor, em cada pássaro e em cada palavra que o outro fala. Trocam emoções através de olhares úmidos e leves toques nos lábios. As mãos, unidas, não se soltam nem por um minuto. Já levei muitos casais assim em minhas viagens, das idades mais variadas: adolescentes de jeans rasgados e tatuagens de dragões, casais com filhos pequenos e outros que já viveram mais tempo juntos que eu de vida, e ainda são namorados.
O que eu mais gosto é quando entram crianças! Ah, crianças enxergam o mundo sem os óculos da realidade. Elas cumprimentam felizes os seres que não mais enxergamos: gnomos, fadas e sacis. Algumas, mais atrevidas, gritam para eles viajarem junto! As mais corajosas colocam a mãozinha para fora da janela quando eu paro o trem e cumprimentam elfos.
Outro dia, uma menina veio me pedir para conduzir o trem bem devagarzinho porque vários hobbits estavam pegando carona sobre o vagão dela. Eles estavam a caminho do porto aonde chegaria um barco com amigos de um reino distante. Eu respondi que faria o possível, afinal, não queria machucar nenhum deles, mas que deveriam ocupar os seguros assentos dentro do trem. Não resisti e completei que eles precisavam pagar pelas passagens também.
Ela saiu resmungando alguma coisa que não entendi muito bem. Para não contrariá-la – nem os hobbits – eu reduzi a velocidade.
Eu aprendi que quando o trem entra na Mata, ele passa a fazer parte dela, como a linha se torna parte da costura na roupa. E a Mata passa a ser um pouco parte do trem. Já vi estrelas tão baixas que pareciam estar na frente da minha janela no vagão-condutor, clareando o caminho em dia de tempestade. Vi corujas de olhos gigantes piscando para mim. Levei susto com uma banana que um macaco me jogou. Pela carinha dele, não queria me machucar, apenas me presentear. Ouvi papagaios falando “Bom dia, Seu Jorge”, como se houvéssemos sido apresentados. Por isso, eu não duvido que hobbits peguem carona de vez em quando...
Uma vez, vi um piquenique real: D. Pedro II com o pai e a mãe, a arquiduquesa Dona Leopoldina, no topo da Serra do Mar. Os portugueses viviam encantados com a beleza exótica do Brasil. Eu apitei o trem e eles me olharam assustados. O pequeno Pedro correu acenando com as duas mãos.
Mas, o que eu mais gosto é de passar perto da queda d’água. Alguns passageiros ficam aterrorizados com a altura. Eu não! Adoro ver sereias pulando do alto, descendo em piruetas ornamentais como serpentinas em salão de carnaval. Ver botos cor-de-rosa tomando sol na parte rasa, enquanto índios crianças assistem ao balé das garças vermelhas.
Nunca comentei com meus amigos da Ferroviária o porquê de eu querer sempre trabalhar aos domingos. Eles ririam de mim. Guardo esse segredo, mas quando meus netos me visitam, conto as histórias com todo o colorido dos detalhes. Eles vibram e comentam o que eles viram quando viajaram no meu trem. Dizem que é somente no Expresso Turístico que isso acontece. Eu respondo que não, que os mundos coexistem em harmonia. Nós só precisamos de um olhar atento para enxergá-los. E coragem para acreditarmos.
Bem, é hora de iniciar uma nova viagem. Quem sabe o que me aguarda hoje?

 


 

Nome da Obra: Festa das Flores
Nome do autor e cidade: Andréa Cristina Morganti (São Paulo
)

Já era tarde e mesmo assim não conseguia dormir. Ainda não podia dormir. A agitação da semana me impedira qualquer bocejar de chegar, e os compromissos para amanhã não tinha sequer iniciado. Um misto de postergar o fim de um processo tão enriquecedor e significativo, com a expectativa de fazer o melhor trabalho a ser apresentado no dia seguinte. Naquele momento, o que mais me ocupara naquela noite de quinta feira era preparar a casa. Preparar a casa para o encerramento do estágio, preparar a casa para elaborar o término de uma história tão profissional que penetrava na minha pessoalidade mais carnal, preparar a casa para refletir as marcas que estes três meses intensos de experiência me haviam proporcionado. Preparar para experimentar a magnífica sensação de doar-se e receber, de interromper, por ora, o investimento que me tomara a maior parte do dia, e da noite com irrupções oníricas. Preparar para partir sem acabar, e iniciar.
Comecei limpando a casa, queria eliminar o velho para a entrada do novo, daquelas pessoas que para mim ainda eram estranhas - apesar do convívio diário - e acostumar com a ausência daqueles rostos tão familiares.
Troquei as lâmpadas, queria dar outro tom para aquele encontro, queria estar junto àquelas pessoas sob a perspectiva de uma nova cor. Rearranjei o entulho acumulado - por meses despercebido - coloquei no lugar coisas desorganizadas.
Fiz uma lista com o que ainda faltava, queria que tudo estivesse perfeito. Aquele seria o último encontro e não me restaria outra oportunidade para reparar as falhas - se é que pudessem um dia.
A casa estava pronta! Não, não estava! ainda faltava um detalhe, tão essencial que de detalhe passaria a ser o artigo mais fundamental para a festa. Como que sem ele não pudesse haver festa alguma. Um detalhe para uns, para aqueles que não se atém aos detalhes, para aqueles de pouca sensibilidade que fazem dos detalhes um detalhe, imperceptível, e escapam aos olhos as riquezas não ordinárias de uma beleza, de um aroma, de uma percepção visual, de uma sensação quente.
Vou buscá-la! Animei-me. Quero trazer flores para a festa! Era próximo das 22h30. Liguei pra ela: “Posso passar aí pra te pegar?” Ela hesita num primeiro momento, diz que está frio, que está prestes a encerrar o seu dia. As flores são sensíveis ao clima, ao tempo. E o florista também: tem hora para abrir, tem hora para fechar. Discordo deste tempo, o meu dia estaria apenas começando, e não poderia dormir sem antes completá-lo. Ele estava inacabado. O que seria da festa sem as flores? Alguns não fariam questão, mas os devotos à poesia, ah! esses sim.. mesmo distantes, sem tocá-la apreciariam sua beleza, seu aroma, sua vaidade ao espalharem o pólen fresco pelo ar, impregnando seus pulmões na respiração involuntária.
Outros, pela alergia da atmosfera, logo repulsariam. É preciso estar aberto às diferenças dos ambientes e poder encaram a singela alegria de um olhar. É preciso estar disposto a arriscar aproximar o nariz de uma excentricidade singular, por vezes absurda, para então revelar um odor não antes imaginado, e seguir com delicadeza os caminhos espinhosos de um caule dorsal. Inevitável talvez não se machucar, mas tocá-la com cuidado, para que os cortes na carne não passem de arranhões curáveis, ao invés de erosões hemorrágicas. Que deixem suas marcas!
Obstinada em minha tarefa, vou até lá. Escolho com cuidado, uma a uma. Embora tenham um custo alto prefiro aquelas de beleza rara, as que me agradam sem ser pelo acostumar. Sem me antecipar elejo as que ocuparão o espaço que habito... no meu tempo, sem medo de errar. As flores viverão até amanhã? Penso na festa e me pergunto inquieta. Sem receber a resposta carrego o carro. Botei botão no banco, no encosto, no painel, no colo, na parte de trás. Há tantas flores que o colorido atingido não caberia na infinita combinação do arco-íris. As flores ultrapassam o teto e o céu, algumas, inclusive ficam meio curvas para poderem caber. O momento é cheiroso... A excitação é tamanha que devoro seus caules maduros de paladar fresco, exploro o toque sedoso de suas pétalas... abraços de folhas aveludadas com tanta voracidade que em alguns momentos me arranho em suas (nossas) defesas instintivas, ainda sem me saciar.. tenho a sensação de me perder numa floresta densa de riquezas sagradas, e não tenho a menor vontade racional de me achar. Sei que as flores irão morrer, mas não tenho pressa de chegar. .. postergo o destino... em alerta, em pisca-alerta. Estou realizada com tanta vida que adquiri naquela noite. Sinto um breve alívio quando constato que o terreno é tão fértil que muito possa florescer. Levava pra casa além do que minha alegria pudesse carregar. E num instante de sobriedade lembro-me do evento de amanhã e mantenho-me insegura. “será que elas vão durar?”.
Chego em casa, e é hora de colocar cada qual em seu lugar.
Já era tarde... e no escuro da noite tudo que encontro são vasos solitários. Aprecio com respeito este artigo de peça única... um tanto quanto narcisistas e por vezes arrogantes, mas de uma silenciosidade sábia e refinada. Este processo reflexivo vai me consumindo e então todos os meus compromissos, mais uma vez, podem esperar. Sem pressa vou decorando o meu morar com as dúvidas de onde colocar aquelas flores, com uma estranha sensação de que elas ainda ficaram naquele carro. E então na embriagues do momento duvido inclusive do meu lugar. Fico cansada. A decoração me exigira tamanha energia. Confusa e agitada fico revivendo cada instante do trazer este “detalhe”. Respiro suprimido. Vou rearranjando os espaços, combinando a estética, pensando na comemoração do dia seguinte. E finalmente encerro. A casa está pronta! Sinto-me exausta.
De súbito me ocorre a frustração de ter a casa vazia no dia seguinte, sem ter aquelas pessoas estranhas para compartilhar a alegria e o suor que me proporcionara aquele curto horizonte florido.
Serena e feliz autentico minha satisfação, e já não me importo mais. Olho para aquelas flores e penso:
“Contigo brindo as infinitas opções da vida.
São únicas.
Seus frágeis arranjos me anunciam.
Contigo celebro a incerteza do instante futuro,
E sorrio.”
Já não falo mais em ausências: a festa, com as flores, já havia sido celebrada!

 


 

Nome da Obra: História de um Caminhoneiro
Nome do autor e cidade: Niusa Moraes Luiz (São Paulo
)

E lá estava o bruto carregado pra continuar sua jornada pelas estradas do Brasil, enquanto o motorista Silvio tomava o seu café da manhã no posto de parada de uma rodovia do sul do país. Chega um rapaz e humildemente lhe pede para que leve uma encomenda a uma cidadezinha do norte, uma vez que não tinha condições financeiras para levar o volume pessoalmente.

O motorista, então, pergunta o tamanho do volume que seria entregue e o rapaz mostra uma pequena caixa. Ao vê-la, “sem problemas”. O rapaz até quis dar uns trocados, mas o Silvio não aceitou. Tudo combinado, o caminhão parte em viagem, que seria longa!

Silvio pararia em muitas cidades até chegar o destino final da tal caixa. Dois dias depois, ao abrir o porta-luvas, bateu-lhe a curiosidade. O que será que havia ali dentro? Pegou a caixa, balançou-a, agitou e agitou e não conseguiu descobrir o conteúdo. Pensou em abri-la, mas lembrou-se das recomendações do rapaz para que não abrisse a caixa em hipótese alguma. E, pensando bem, resolveu não abri-la, deixando-a ao seu lado, no banco.

Prosseguiu viagem, ora olhando a estrada, ora a caixa. Até que não resistiu e abriu a danada. Ainda havia um plástico protetor, que furou com o próprio dedo. Lá dentro só encontrou um pó de cor estranha. Silvio pegou a caixa, cheirou várias vezes, mas não descobriu o que era. Levou o dedo sujo de pó à boca. O pó tinha um gosto desconhecido. Silvio deu várias lambidinhas no dedo, e nada! De repente, ele pensou: ‘E se isso aqui for droga?’ ‘Se a polícia me pega, tô mal arrumado’. E com a pulga atrás da orelha decidiu parar no primeiro posto policial que encontrou. Deu mais algumas lambidas no pó e pensou ‘Se é droga eu não sei, mas que é gostoso é’. Chegando ao posto policial, contou o ocorrido e cheira daqui, cheira dali, lambe daqui, lambe dali, não chegaram a nenhuma conclusão. Depois de algumas horas, o chefe de polícia disse a Silvio que seguisse viagem e que parasse de comer o tal pó, que avisaria a polícia da cidade aonde seria feita a entrega e ela estaria preparada, se o fosse o caso de prender a quadrilha que iria receber a encomenda.

Duas semanas depois, chega a hora da entrega. No posto de gasolina aonde Silvio descarregaria parte da carga, já havia vários policiais a espera. No fim da tarde, chegaram próximo ao caminhão alguns rapazes e duas moças. Perguntaram a Silvio sobre a encomenda. Com a polícia por perto, Silvio entregou a encomenda a um deles. Chorando, as moças abraçaram Silvio, que não entendeu nada. Quando ia perguntar o que aconteceu, uma delas, agradecendo muito, disse: ‘Deus lhe abençoe, moço, se não fosse o seu bom coração, nunca iríamos conseguir trazer o corpo do nosso tio morto para junto da família dele’.

 


 

Nome da Obra: Menina Triste
Nome do autor e cidade: Guiomar Galvão (São José do Rio Preto)

Eu me chamo Guiomar. Através destas linhas vou contar minha história.
Quando eu era criança, meus pais descobriram que eu tinha um problema na coluna, que era escoliose, e eu sentia muitas dores. Meus amigos tiravam sarro de mim.
Fui para São Paulo fazer o tratamento e não tive êxito.
Antes de meu pai falecer, ele disse que não gostava de mim. Logo após meu pai falecer, eu me envolvi com um rapaz mais velho do que eu e ele me seduziu. Fiquei grávida e contei à minha tia e ela falou que eu devia dar minha filha para um casal de fazendeiro. Eu não aceite. Prefiro que Deus tire ao ver minha filha ser criada com outra família e, aos 9 meses, ela realmente faleceu ainda na minha barriga. Fiquei muito triste e não acreditava que ela tinha falecido, até que um dia eu encontrei, na Prefeitura, o registro de nascimento dela.
Em 1985, eu morava em Rio Preto, e conheci meu primeiro marido e ele se interessou pelo meu problema de coluna e começou a escrever para a assistente social do Hospital Santa Cruz, em São Paulo e ele, graças a Deus, conseguiu minha cirurgia. Ao ir operar, meu marido se arrependeu e pediu para eu desistir. Falei: “Jamais! Isto é meu maior sonho. Não importa se vai acontecer algo. O que importa é eu conquistar meu sonho”.
Nesta época nós ainda éramos namorados e fui para São Paulo tirar meu gesso. Ele quis ir comigo e ficamos no Hotel e ele me assediou até ficarmos juntos. Fiquei grávida, mas eu não queria me casar, mas minha mãe não me deu apoio e casamos. Durante 2 anos que fomos casados ele me batia muito, muito, até que um dia eu me cansei e fui à Delegacia da Mulher e o denunciei, mas a delegada me deu a intimação em mãos. Quando cheguei em casa levei outra surra. Só voltei À Delegacia após minha separação, pois ele foi até minha casa para tirar satisfação sobre minha conduta e voltou a me bater.
Depois que me separei, passei por muita dificuldade financeira. Trabalha na Microcamp e, à noite, fazia pães para vender; todos os dias eu pedia para minha chefe deixar eu ir até a Prefeitura entregar as encomendas.
Tive que refinanciar o apartamento que ele me deixou, pois tinha muita dívida. Quando eu ligava para ele pedindo ajuda para comprar gás ou pagar a luz, ele nunca tinha dinheiro. Mas, graças a Deus, eu consegui me reerguer, minhas dívidas consegui pagar e, ainda, consegui minha primeira moto.
Em 2001 para 2002, conheci meu 2º marido na lanchonete do meu cunhado. Ele não tinha emprego, consegui que trabalhasse comigo na lanchonete. Ele queria casar comigo. Eu tinha medo, apesar do nosso amor ser grande. Falei para ele que ele tinha que conseguir um emprego para podermos ficar juntos.
Nos dois primeiros anos de casados, fomos muito felizes. Em 2003 engravidei de Ana Laura. Por estar grávida achei que devia ter um carro e comprei um carro. Logo após, passei por muitas dificuldades. Nesse meio tempo, fiquei viciada em jogos de maquininha. Ganhava muito dinheiro, mas devolvi tudo, pois minha sede não acabava.
Após ter minha filha perdi o emprego, em maio de 2005. Com isso perdi meu chão. Fui procurar uma psicóloga para entender um pouco do que estava acontecendo; eu já não sabia se eu era a esposa ou a mãe do meu marido. Fiquei insegura.
Com tudo o que estava acontecendo meu casamento entrou em crise e nos separamos. Depois de 3 meses voltamos e nunca mais nos separamos.
Eu trabalhava de mototaxista. Consegui legalizar minha moto – gastei muito para isso – e, logo depois, descobri que estava grávida da Gabriela. Em vez de para de ser mototaxista, foi aí que dei o melhor de mim, até mesmo minha saúde e a vida de minha filha. Durante a gravidez sofri três acidentes, sendo que em um quase perdi minha filha, mas, graças a Deus, não aconteceu nada.
Faltando 9 dias para ter minha filha, fiquei com uma enxaqueca intensa e nada passava. Fui internada no HB. Eles fizeram tosos os exames; não encontravam o porquê daquela dor, até que eles conseguiram um remédio para passar a dor. Deram-me alta e voltei no dia 06 de fevereiro de 2008. No ultrassom descobriram que não havia líquido amniótico e tive que fazer a cesária de emergência.
Tive depressão pós-parto e fui encaminhada para o CAPS. Nesta época não permaneci no CAPS e descobri que tinha Hepatite. Comecei a ouvir vozes, ver pessoas que até me convidavam para sair de casa. Aí procurei ajuda novamente no CAPS. Em 2008 comecei meu tratamento no CAPS. Ainda hoje não trabalho, não consigo limpar minha casa; eu só faço o necessário: cuidar das minhas filhas.
Eu ainda vivo triste, cheia de mágoa, não sou feliz, sou solitária, não tenho lazer e não consigo ter. Eu gostaria de conquistar minha casa com piscina para ver minhas filhas felizes, e um parque de diversão, pois é o que elas gostam de fazer.

 


 

Nome da Obra: Minha História
Nome do autor e cidade: Maria de Lourdes Galhardi (Bauru)

Minha mãe sempre me dizia:
-Filha você é assim, porque é nervosa...
E eu pensava que tinha um botão no meu coração. Vivia contando minha pulsação, pensando que ele ia parar.até que aos onze anos, eu pedi para meu pai me levar a um psiquiatra.E saí com um calmantinho chamado A.L.R.
O remédio foi bom e eu parei com aquele ritual e deixei de contar a minha pulsação. E fui levando a minha vidinha.
Aos dezessete anos, me deu um” piripaque”, ficava com medo, e minha irmã tinha que ir a Faculdade comigo. Me levaram a um neurologista, e lá veio o neuro falando:-
-Você tem que tratar com um psiquiatra. E me receitou “Lexotan”. Fiquei viciada e não consegui mais largar o “Lexotan”.
Fui ao psiquiatra que era radical e usava “Freud” puro.Eu não entendia nada e não conseguia falar nada durante a sessão.Então resolvi que estava gastando dinheiro à toa.
Passaram mais algum tempo e novamente parei de dormir, ficava com o coração disparado, sentia medo e muitos pensamentos negativos, então me levaram para um terceiro psiquiatra, esse não era radical, e me receitou antidepressivos e ansiolíticos e me disse: -O teu problema é depressão.
Passei a ser nervosa e depressiva.
Mais um tempo se passou , agora já estava trabalhando e terminando a Faculdade, comecei de novo a sentir muito medo, ficar calada, parei de ir ao trabalho, chorava muito e não queria tomar banho.Fui ao psiquiatra, o mesmo que tinha me dado o diagnóstico de depressão.Ele voltou a
me dar antidepressivos e ansiolíticos, e me disse que em quinze dias estaria bem e voltaria a trabalhar.Foi dito e feito, fiquei bem e voltei a trabalhar.Só que fiquei viciada nos ansiolíticos.
Fiquei mais uns três anos bem, e de repente, to eu de novo muito depressiva, chorando, com muita ansiedade, angústia,etc...
Fui ao quarto psiquiatra, que me receitou carbolítio , ansiolíticos e mais outros remédios.Ele me falou:
-Olha, você tem P.M.D.
Arregalei os olhos e perguntei:
-O quê é isso?
-È Psicose maníaco-depressiva.
-Nossa então sou “psicótica” e posso até matar, já que sou psicótica.?
-Não, espero, Disse o psiquiatra:.
-Você precisa fazer psicoterapia.
-Onde vou fazer psicoterapia?- disse eu.
-Eu mesmo posso fazer. Respondeu o psiquiatra.
E aí eu ia todas as semana fazer psicoterapia, e isso tudo era em consultório particular.
Fiquei um bom tempo lá, fazendo a parte medicamentosa e também psicoterapia.
Um dia, ah! Esse dia, comecei a ter uma crise das feias, surtei feio e senti que estava desconectando da realidade.Esse meu psiquiatra tentou todos os medicamentos, mudou, acrescentou, tirou, colocou novos.Enfim, cheguei ao ponto de tomar dezesseis comprimidos diários, ficava dopada o dia todo e nada, a crise não passava.
Ele vendo que não dava conta do meu caso, me encaminhou para outro psiquiatra em Campinas na UNICAMP, para avaliação de eletroconvulsoterapia (eletrochoque). Lá entraram com novas medicações e terapia, e eu piorava cada vez mais, até que veio a primeira internação, no Hospital Geral da Unicamp,na enfermaria de psiquiatria.
Lá fiquei por trinta dias e comecei a ter uma psicóloga. Ficava totalmente estranha e os psiquiatras falavam todos os dias comigo. Quando um deles me disse:
-Você tem “Transtorno de Humor Bipolar”.
-Ai, eu pirei de vez! Mais essa agora, to com uma carga de diagnósticos.Eu pensava que era uma carga de diagnósticos e esqueci de mim, passei a ter dificuldade em me enxergar ,só pensava nos diagnósticos.Eles me deram três meses de licença, depois mais três meses, e aí o tempo foi passando e eu senti que não ia conseguir retomar a minha vida e nem o meu trabalho.Fui internada no Hospital do Servidor Público, onde tentei o suicídio, mas Graças a Deus não tive êxito.Lá fiquei por trinta dias.
Voltei para Bauru e continuei o tratamento, mas a miserável não me largava, a depressão parecia ter tomado conta de mim.

De Bauru me mandaram para o Hospital Psiquiátrico em Itapira “Américo Bairral”.Fiquei no Mirante, ala particular. Lá parece a um SPA, tem tudo, e é muito caro.Lá fiquei quatro meses.E depois de quinze dias em Bauru, já estava deprimida de novo.
Nessa fase, eu já não acreditava em mais nada, e só queria morrer.Então voltei a ser internada em Campinas, no Hospital Geral da Unicamp-Ala de Psiquiatria, novos médicos, novos remédios, novas tentativas e novos psicólogos.Estava cansada de tudo.
Volto para Bauru, para minha casa, com novo psiquiatra, que me internou no antigo “Hospital Psiquiátrico Paiva”, hoje foi desativado. Melhorei um pouco, quando comecei fazer terapia ocupacional, saí com alta.Tive mais três internações, voltei a Campinas, com um Professor da Unicamp, eu não queria ir, fui empurrada,pois, não acreditava mais em nada.As igrejas, pastores oravam por mim, eu não tinha fé, o desânimo tomou conta de todo meu ser.
Quando cheguei no consultório,contei mais uma vez meu problema e ele me deu três remédios:
Antidepressivo, anticonvulsivo, ansiolítico, e retornar em uma semana.Eu me sentia bem melhor, fui melhorando até que ele confirmou minha melhora,mas que não seria mais possível trabalhar,fui aposentada por invalidez permanente.Ele me disse:
- Agora volte para sua casa e tente retomar sua vida de outra forma e procure preencher o seu tempo.Chorei muito, porque no fundo eu também sabia que não teria condições para retomar qualquer trabalho intelectual.
Após três internações no Hospital Paiva, as crises eram menos intensas. Um dia peguei o telefone e pensei, vou fazer terapia com uma psicóloga, agora já estou melhor e tenho condições de elaborar meus problemas.
Cheguei no horário que ela marcou, entrei e sentei na cadeira que ela me indicou, e quando ela perguntou:
- Qual o seu nome? , eu respondi:
- Sou um “Transtorno Bipolar”! Você cuida disso? Ela falou:
- Eu não trabalho e nem cuido de diagnósticos, aqui eu trabalho com pessoas .E voltou a perguntar:
-Pode me dizer o seu nome?
Eu estava tão impregnada de diagnósticos, que havia esquecido de mim mesma.Ela insistiu:-
- Qual é o seu nome? Eu fui vasculhando dentro de mim, até que balbuciei:
-Eu me chamo Maria de Lourdes.
Nesse momento começou o meu processo de cura!
Que me desculpem os psiquiatras e psicólogos que cuidaram de mim, todos tentaram fazer o melhor que sabiam.
. So que a Fernanda terá um ´lugar especial no meu coração, ela me lembrou que eu não era um “diagnóstico ambulante”, que eu sou uma pessoa, e ela gostava de tratar pessoas.
Se não fosse por ela, talvez eu não pudesse escrever essa história que é a minha história real.

 


 

Nome da Obra: O Concerto
Nome do autor e cidade: Julio César Ipólito Rosa (Campinas)

O maestro entrou no palco, por aquela porta lateral de todos sempre vista ou suspeitada, e dirigiu-se até ao pódio. Suas mãos estavam tintas de vermelho, o sangue de um assassinato recente gotejava ao chão, ainda quente e fresco, vermelho como a púrpura, quando ele as baixou até à altura da cintura e fez indicação, quando as ergueu, para que os músicos dessem início à execução do concerto para violino de Beethoven. Ele não portava uma batuta, tinha apenas consigo a memória de todos os acordes e, ao seu lado, o violinista, seu amigo e admirador de muitos anos, que naquele momento preciso, após o qual começara a reger, tinha-o olhado de um jeito tão fixo e tão estranho.
O maestro estranhou ainda mais quando, após os compassos iniciais do concerto, a cargo do tímpano e de uns poucos instrumentos, ergueu suas mãos manchadas do sangue de Aurora, sua amada imortal, para o tutti, e uns músicos tocaram, outros não tocaram, alguns desafinaram. Ninguém errou as notas, é claro, porque as suas mãos tintas do sangue de Aurora só foram vistas pelo músicos, entretidos com o bulício da sua entrada e pela tensão que precede o início de todas as realizações, após aquele terrível momento em que as ergueu com violência.
Aurora tinha estado com ele nos bastidores e, numa rápida cena, intermediária da entrada dos músicos no palco e da sua própria, trocara com ele um beijo apaixonado, ao passo que ele tinha retirado do bolso do paletó – pois prescindira do smoking – o punhal brilhante que introduziu em sua barriga até ao cabo. Os lábios dela se languesceram, após a sensação de morte, e soltaram-se dos deles, para irem-se encostar sobre o seu peito. Ele então retirou inteiro o punhal e passou sua lâmina pela tez alva do pescoço, indo encontrar uma das carótidas, que abriu. E depois foi reger.
Isso mesmo, ele foi reger, com as mãos lambuzadas do sangue de Aurora, prescindindo da batuta, como prescindira do smoking. A flautista, que tocou antes do tutti, foi o canário-do-reino, o canário-da-terra, a cada nota que tocou, enquanto o sangue de todos os músicos fluía pelo palco de madeira, e o seu odor férreo o ia lançando no mundo inorgânico de que viera, e enfim todo ele estava deitado sobre a poça de seu próprio sangue, o mesmo sangue de Aurora, o mesmo sangue de Cristo, o mesmo de Pilatos, o mesmo do primeiro homem apaixonado que sofreu no mundo – Adão – e que ainda gerou a história de Diana e Pigmalião.
O sangue dele escorreu do palco à plateia, inundou o corredor central, ao passo que o sangue de todos passava então a escorrer pelos seus narizes, pelos seus ouvidos, correndo ao redor de Sigmund Freud e Carl Gustav Jung, que estavam lá presentes, bem ao fundo. De sua parte, os músicos também entravam num processo hemorrágico, para juntarem o seu sangue ao dele e, unidos um ao outro, fluírem pelos bastidores, onde encontraram escadas infinitesimais, pelas bordas das quais distribuíram-se pelo infinito, pelo vácuo, por fim, pela antimatéria.
Fluíram também para a rua, ganharam o calçamento, fluíram pela sarjeta, precipitaram-se dentro das bocas-de-lobo, matando baratas, ratos, ratazanas, escorpiões, lacraias, bactérias e vermes, até alcançarem os rios e mares, avermelhando-os com o sangue da preciosa Aurora. E numa praia chamada “Ética”, onde ninguém pega ondas, visto que todas explodem contra os monumentos rochosos, um homem subiu até ao píncaro e tocou passagens do concerto para violino de Beethoven e do Inverno de Vivaldi, enquanto seus longos cabelos negros eram agitados pelo vento e se enrolavam nas próprias cordas do instrumento.

 


 

Nome da Obra: Por que tenho Medo do Escuro?
Nome do autor e cidade: Sidnei Bruno dos Santos Vieira (São Paulo)

Esta é uma breve história da garota Virgínia. Ela tem 6 anos, cabelos claros e medo do escuro. Isso mesmo, medo do escuro.
Os pais de Virgínia estão preocupados, pois já não sabem o que fazer para resolver isso. Virgínia só consegue dormir com a luz ligada, mesmo no meio da madrugada ela acorda se seus pais resolvem desligá-la. Que problemão!
Numa noite dessas – enquanto Virgínia sonhava na cama com a luz em seu rosto – houve uma queda de energia no bairro. Ela começou a chorar e a se descabelar, foi quando ela ouviu uma voz que dizia:
_ Boa noite, senhorita! Como se chama?
Virgínia sentiu seus cabelos arrepiarem e se enfiou embaixo das cobertas.
_ Por que se esconde de mim, adorável dama? Eu prometo não te fazer mal algum – disse mais uma vez a misteriosa voz.
Ela enxugou suas lágrimas e quando saiu de dentro das cobertas viu um homem. Ele mais parecia um pingüim de cartola, óculos e bengala.
_ Q-quem é vo-você? – Perguntou a menininha assustada.
_ Me chamam de muitos nomes: Breu, Escuridão, Sombra... mas pode me chamar de Seu Escuro.
_ Meu Escuro? – Disse a garotinha.
_ Haha! Que seja. Mas você ainda não me disse seu nome.
_ Virgínia. Por que está vestido assim?
_ Hum, eu sou fruto da sua cabecinha. Estou vestido como você quer que eu esteja vestido. A única coisa que é minha são os óculos, pois sou cego.
_ Cego?
_ Sim. Só se pode enxergar onde se tem luz. E onde tem luz eu não posso existir.
_ Puxa, que chato! Já eu odeio o escuro e... err... quero dizer...
_ Mas por que você tem tanto medo de mim?
_ É que quando tá escuro aparece um monte de monstros para me assustar!
_ Bom – o Escuro começou a responder – eu estou aqui, mas cadê os monstros? Viu só? Eu sou um cara bom, jamais faria isso com criancinhas como você.
_ Ah, que bacana! Meu Escuro, você faz mais alguma coisa legal?
_ Claro! Quando eu apareço, as crianças podem descansar melhor depois de um dia cheio de estudos e brincadeiras.
_ Puxa, Meu Escuro, se eu soubesse que...
De repente a luz volta e o pai de Virgínia entra correndo em seu quarto, dizendo:
_ Filha, você está bem? Pensei ter ouvido você gritando.
_ Estou sim, pai.
_ Ufa! Ainda bem. Quer que eu deixe a luz ligada, né?
_ Não. Pode desligar. Eu vou ficar bem com Meu Escuro.
Boa noite.

 


 

Nome da Obra: Porto Solidão
Nome do autor e cidade: Daniel Fernando Magrini (Ribeirão Preto)

Conta à história, que há muito tempo, numa época de céus estrelados, luares intensos, amores utópicos, havia na Terra muita alegria, respeito, amizade e a serena paz nos olhares.
Cada habitante daquele local possuía, não diferente de hoje, metas, objetivo; apenas era diferente o modo de sentir tudo ao redor, assim como a forma de lidar com o outro. Diziam que a palavra que mais expressava aquela situação era amor... Mas, como não deixaste de existir, sempre comentavam de um lugar, próximo dali, aonde era direcionado todos quantos sentiam, dentro do coração, um aperto.
Tristeza, saudade, mal estar, falta de algo; algumas definições eram utilizadas para demonstrar aquilo que diziam ser como uma dor sem ferir o corpo, um frio sem congelar, um ser sem existir, enfim; não podiam ver, mas sabiam que estava lá- ?devia ser como Deus, que não viam, mas sabiam que estava lá?.
Naquele tempo, barcos, navios, pequenos veleiros, naus chegavam e traziam mensagens encomendadas mil.
Uns traziam o abraço longínquo e expressivo.
Outros a notícia de descobertas, como por exemplo, o conhecimento de si mesmo. 
Cada aurora era registrada, cada sonho era embalado com camadas de esperança, num bálsamo e, só ficariam naquele local, aqueles que não tivessem a mínima companhia, do que fosse, nesta arte de dividir, compartilhar, intercambiar. O estar sozinho num dia de chuva era sua expressão, e, o estar distante, mesmo quando perto era como se encontrar lá ancorado.
Porto solidão, diziam... Nada mais.
Quantos olhares vazios, suspirar mansamente e navegar em pensamentos, estando-se quieto, daqueles que naufragavam em terra firme.
Ventos sopravam por lá, diferente de outros lugares, pois traziam o clima apático de adeus, ou do não mais encontrar.
Não poderia continuar existindo, sendo assim, projetos estavam sendo elaborados para seu fechamento, pois a cada dia, naquele tempo, viajantes mudavam de trajetória, para outros portos, entre tantos, o da esperança.
Perguntava-se aos navegantes daquelas águas trépidas, o motivo que fazia com que não mais seguissem para tal porto e a resposta era variada. Entre tantos relatos: ?Achei a tampa da minha panela?, "encontrei minha alma gêmea?, ?agora estou com a outra metade da laranja?, ou "casei-me com a arte... Com a música... Com a dança...".