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Criança e Adolescente Prioridade Absoluta na Pandemia


Publicado em: 13 de julho de 2020

Nestes 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo pretende, por meio deste documento e de suas ações, enfatizar a importância da defesa dos direitos e das políticas públicas referentes às crianças e às/aos adolescentes, reafirmando junto à categoria a necessidade de uma práxis comprometida, reforçando o convite à sociedade, especialmente às crianças e às/aos adolescentes para a participação da construção de uma Psicologia ampla, acessível e que combata todos os tipos de violências, preconceitos e discriminações.

Para 2020, esperávamos um momento de muitas comemorações e articulações, análises, construções coletivas e presenciais. No entanto, em cenário de pandemia desencadeado pela rápida disseminação da COVID-19, a Psicologia foi chamada a transformar sua atuação de maneira técnica, eficiente e segura, obedecendo às normas nacionais e internacionais de saúde.

E as crianças e as/os adolescentes? Onde se encontram neste percurso?

Algumas fontes indicam que as crianças e as/os adolescentes não pertencem ao grupo de risco, pois haveria indícios de que a taxa de mortalidade nessa faixa etária é relativamente menor em comparação a outros grupos, e que na maioria dos casos não apresentam sintomas. Por conta disto, foi bastante divulgado na mídia em geral que as crianças e as/os adolescentes podem, sem que se perceba, disseminar o vírus. Como medida preventiva em todo o Brasil, logo as aulas foram suspensas, assim como um conjunto de serviços, instituições e projetos que atendem a este público. Junto a seus familiares, responsáveis e/ou cuidadoras/es, crianças e adolescentes foram obrigadas/os a protegerem-se, cumprindo o isolamento social. Nestas circunstâncias, então mais uma vez silenciadas, as urgências e emergências foram voltadas a outros públicos.

Mas este isolamento social acontece da mesma maneira para todas as crianças e as/os adolescentes? A quais crianças e adolescentes estamos nos referindo?

Segundo a Constituição Federal (art. 227) e o Estatuto da Criança e Adolescente, as crianças e as/os adolescentes são “prioridade absoluta”, mas isso tem acontecido durante a pandemia?

A Constituição Federal de 1988 convocou a família, a sociedade e o Estado a olharem para crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por sua vez, chama a nossa atenção para a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e, portanto, estabelece que crianças e adolescentes são prioridade absoluta. Este princípio determina a primazia do atendimento nos serviços públicos, a preferência na formulação e execução de políticas públicas, e, especialmente, a destinação privilegiada de recursos para as áreas direcionadas à proteção da criança e da/o adolescente. Em outras palavras, o ECA se materializa em dois importantes norteadores para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil: o princípio do melhor interesse da criança e o de proteção integral. 

O avanço da pandemia de coronavírus nos colocou frente a um cenário de grande complexidade. Na medida em que o saber científico acumulado apontou crianças e adolescentes fora de um possível grupo de risco para a COVID-19, os arranjos estabelecidos para a contenção do contágio podem tê-las invisibilizado e colocado em xeque os princípios norteadores de proteção integral? 

Diante deste cenário, e da diversidade de infâncias e adolescências determinadas pela cultura e atravessadas pela desigualdade social, a Psicologia se percebe convocada a olhar, analisar e implicar-se nos cuidados, na proteção e no desenvolvimento de estratégias junto a este público, nos mais diferentes campos de atuação.

O CRP SP tem  procurado, portanto, discutir territorialmente, por meio de núcleos específicos em suas subsedes, sobre todas as demandas oriundas da categoria e da sociedade, assim como também em suas comissões, como COF (Comissão de Orientação e Fiscalização), COE (Comissão de Ética), CDHPP (Comissão de Direitos Humanos e Políticas Públicas), entre outras. Em maio deste ano, organizou-se o Coletivo ECA + 30 do CRP SP, com a participação de psicólogas/os representantes de todo o estado de São Paulo. Este Coletivo tem procurado organizar as pautas referentes às crianças e às/os adolescentes, para que sejam discutidas pela categoria e pela sociedade, e foi assim que o grupo percebeu a urgência em iniciar a discussão a partir do princípio da “Prioridade Absoluta”.

No dia primeiro de julho, foi realizada roda de conversa com a participação de representantes de todas as subsedes e da categoria, onde foram levantadas as particularidades de cada território e a realidade das crianças e adolescentes, para então compreendermos quais têm sido as estratégias  das/os psicólogas/os e da sociedade, ou ao menos quais caminhos podemos seguir na colaboração desta empreitada. No dia 10 de julho foi transmitida a live pertinente a este tema.

As/os participantes apontaram para a invisibilidade das crianças e das/os adolescentes durante a pandemia, a intensificação das inúmeras violações de direitos e a precarização da vida:

  • Violência de Estado, pois em todo o estado de São Paulo os assassinatos de crianças e adolescentes negras e indígenas continuam. Quando não são assassinadas pela própria polícia, são vítimas de omissão, negligência e da necropolítica;
  • Utilização de verbas dos Fundos Municipais da Criança e do Adolescente para outros fins, sem o devido respaldo na recomendação nº 02 do CONANDA (datada de 06/04/2020);
  • Exclusão digital;
  • Ausência de acesso à educação, ausência de material educacional e/ou precarização da educação;
  • Adolescentes cumprindo MSE de privação de liberdade em ambiente insalubre, ausência de atendimento adequado a este público e proibição das visitas;
  • Crianças e adolescentes de territórios periféricos são as que possuem maiores restrições de acesso às políticas e à rede de proteção;
  • Em algumas regiões, aumento da demanda nos serviços de saúde mental e dificuldade inicial na articulação;
  • Em algumas regiões, aumento de tentativas de suicídio e/ou suicídio;
  • Em algumas regiões, aumento de denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes;
  • Ausência de planos municipais visando reduzir os impactos sobre as crianças e as/os adolescentes na pandemia;
  • Aumento expressivo do número de crianças e adolescentes em situação de rua e em situação de trabalho;
  • Ausência da participação das crianças e das/os adolescentes na construção das alternativas que lhes dizem respeito;
  • Fechamento do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) em alguns territórios;
  • Sofrimento mental pela ausência de atendimento nos serviços públicos,  sofrimento escolar e luto;
  • Aumento da demanda nas políticas do SUAS em decorrência ao desemprego e à fome;
  • Em algumas regiões, os atendimentos da saúde têm sido voltados exclusivamente para vítimas de COVID-19, negligenciando-se atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência;

Estratégias levantadas, para ações das psicólogas/os em conjunto com as redes e a sociedade:

  • Mobilização de entidades do terceiro setor;
  • Ampliação da participação das/os psicólogas/os nos CMDCAs (Conselhos Municipais dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes);
  • Ampliação da participação de psicólogas/os em movimentos populares, instituições e entidades nos espaços do CRP SP; 
  • Ações do CRP SP tais como roda de conversa ou fóruns territoriais (nas subsedes) para fortalecimento da rede, acolhimento e orientações à categoria;
  • Colaboração da Psicologia na formação de Conselheiras/os Tutelares;
  • Participação da Psicologia em movimentos sociais, movimentos de bairro, instituições, etc;
  • Distanciamento entre o discurso e a prática no que refere a premissa de prioridade absoluta. Como estratégia, propõe-se fortalecer a articulação de rede.

Enfatizamos que estas estratégias foram levantadas a partir do diálogo com a categoria, mas também devemos observar as 5 recomendações elaboradas pelo CONANDA, além da “Carta sobre o atendimento em programas, projetos e serviços a crianças e adolescentes em situação de violência”. Dentre estas recomendações, destacamos a primeira, emitida em 23/03/2020:  “Recomendações para a proteção Integral a crianças e adolescente durante a Pandemia COVID-19” que reforça a responsabilidade das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) na elaboração de Planos de Contingência, visando conter a disseminação do novo coronavírus com a perspectiva de proteção global dos direitos humanos de crianças e adolescentes e da absoluta prioridade de garantia de seus direitos. Esta proteção (social, financeira, física e psicológica)  se estende também às/aos cuidadoras/es primária/os, pois o ambiente doméstico deve ser seguro; assim como todas as crianças e as/os adolescentes institucionalizados necessitam receber informações sobre a pandemia e acompanhamento de acordo com as especificidades de sua fase de desenvolvimento e, em especial, as que se encontram em acolhimento ou medida socioeducativa, precisam ter garantido o direito à comunicação com seus familiares e/ou responsáveis.

Mas o que a Psicologia tem a ver com isso?

A fim de que as crianças e as/os adolescentes sejam prioridade absoluta na pandemia, as/os psicólogas/os devem, no exercício cotidiano de sua atuação, realizar práticas que articulem as legislações em vigor no país (tais como o ECA, o SINASE), as recomendações realizadas pelo CONANDA, OMS, os planos de contingência das três esferas de governo, o conhecimento técnico e teórico da Psicologia, além das resoluções, orientações e Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o

Vislumbrando principalmente que, neste atual cenário, o segundo princípio fundamental do Código de Ética: “A/o psicóloga/o trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” reforça o compromisso da categoria na defesa, promoção e controle da execução do ECA, que em seu 30º ano de existência se consolida como o maior instrumento de proteção e desenvolvimento de crianças e adolescente no país.

Face ao exposto, convém informar que caso as/os psicólogas/os identifiquem dificuldades que repercutem na atuação ética e compromissada, procurem a Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) deste Conselho; em caso de questões relacionadas às condições de trabalho, precarização, entre outros fatores, podem acionar o Sinpsi pelo e-mail: [email protected]