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Retratos CRP SP: Rute


Publicado em: 7 de dezembro de 2020

Rute Alonso mora em São Paulo ou é a cidade que lhe habita por meio da pluralidade de lutas? Difícil definir. Sua trajetória é costurada por sensibilidade, mulheres, políticas públicas e uma diversidade de vivências que fazem parte da paisagem da capital: ocupações, hospitais, abrigos, periferia, prisões, o largo do Arouche, esquinas de Guaianazes.

Uma das primeiras inspirações veio por meio da figura da mãe. Dolores, ou Dona Lola, sempre foi muito generosa, escutava e ajudava outras mulheres na igreja. Isso despertava admiração de Rute, especialmente porque ela sabia das dificuldades enfrentadas pela família materna, vinda da Espanha décadas antes, em condições precárias. O pai, o paraibano Martin, passou 27 anos vendendo livros no Brás. Morreu em 2020, sendo lembrado com carinho pela filha que hoje é advogada e Promotora Legal Popular. Rute foi estudante de escola pública, fez curso técnico de Nutrição e trabalhou na Fundação Casa, hospitais e abrigos de crianças na capital antes de se formar em Direito.

A participação na igreja junto à família durou até seus 20 anos, quando se deparou com um dilema: "Ou eu ficava lá extremamente inexpressiva na minha sexualidade ou eu escolhia viver minha vida. É interessante perceber que o primeiro amor vira a primeira forma de a gente sofrer exclusão e violência, porque somos expulsas da igreja, da família… Isso também marca nossa subjetividade.” Para ela, não tem como separar esse "estar no mundo" sem levar em conta o que é ser mulher e lésbica nesse mundo. Apesar de momentos de extrema tristeza, foi bem nessa época que recebeu uma proposta para trabalhar fora do país. "Poder sair de casa foi um respiro.” Ela lamenta que a lesbofobia tenha fragilizado as relações com a família.

Na condição de migrante brasileira, viveu episódios de assédio e abuso, especialmente trabalhando como garçonete. Estudou Comércio Exterior e chegou a atuar na área. No entanto, na volta ao Brasil, o incômodo seguia.

Os relatos que ouvia, as situações que presenciava, toda violência cotidiana vivida pelas mulheres, enfim, o patriarcado. "Eu percebi que as minhas pautas também eram pautas de outras mulheres e eu queria saber como eu poderia ajudar. Mas esse 'ajudar' não era de cunho assistencialista. É pensar sobre emancipação coletiva, luta de direitos.” 

Rute então cursou a faculdade de Direito e, durante a vida acadêmica, também conheceu a União de Mulheres de São Paulo, organização feminista fundada por Amelinha Teles, Crimeia Almeida, Terezinha Gonzaga, entre tantas outras mulheres que lutaram na ditadura militar.

"Na União, eu descobri a PLP (Promotoras Legais Populares), proposta de educação em direitos para mulheres a partir de uma educação popular. Isso foi se misturando e rolando em paralelo à formação. Nessa caminhada, estagiei na Defensoria Pública no Núcleo de Diversidade e Igualdade Racial, também trabalhei com pessoas encarceradas - sobretudo mulheres - e no escritório modelo da PUC SP, em contato com ocupações.” Sua atuação em políticas públicas ainda inclui uma passagem pelo Centro de Cidadania LGBT no Arouche, no projeto Transcidadania e em curso elaborado pela SENAD (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas). 

Nos últimos cinco anos, ficou à frente do Centro de Defesa e Convivência de Mulheres em Guaianazes. "Temos que ter educação em direitos, acesso à informação, combater fortemente a rivalidade entre mulheres, porque é juntas que vamos conseguir sair dessa.” As palavras saem com precisão, mas sem perder o tom suave, aquele que convida.

O currículo vasto expôs Rute a muitas experiências que, ao contrário de embrutecê-la, ampliaram sua sensibilidade. “Tem a minha luta mais pessoal, que é a luta contra a lgbtfobia, mas também temos a luta pelos direitos das mulheres, a atuação antirracista, estar junto com as companheiras idosas, a questão capacitista, experiências por ter vivido na periferia, enfim. Com essa composição das violências, a militância se alarga.”

Na avaliação de Rute, atualmente estamos passando por um momento crítico, acentuado pela pandemia. "No Brasil desde março, o feminicídio aumentou mais de 20%. Isso também tem a ver com punição não adequada, falta de campanhas de enfrentamentos, enfraquecimento de redes de assistência etc.”

Por outro lado, ela aponta que mais mulheres se candidataram nas últimas eleições - inclusive a própria Rute, que concorreu como vereadora. "As mulheres estão querendo ocupar esses lugares de poder para reagir. A situação não é boa, não temos muitas mulheres eleitas, mas a articulação está acontecendo."

Ela reforça que é preciso manter a luta inclusiva na rua e que estamos passando por esse momento com solidariedade. "Temos que nos acolher mais nas dores e nas alegrias. Meu convite é pra gente se somar, pra gente ampliar a troca de conhecimento e conseguir estabelecer laços de confiança. Somos aliadas, umas nas lutas específicas das outras, caminhamos juntas."

Rute Alonso contou um pouca da sua trajetória para a campanha dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, do CRP SP. E assim contribuir para o enfrentamento contínuo das violências de gênero.

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#PraTodosVerem Na matéria, há duas fotografias de Rute Alonso tiradas ao ar livre no mesmo dia. Em uma delas, um retrato, Rute olha firmemente para a câmera e sorri. Em outra, Rute está em plano americano, encostada a uma parede branca. Ambos registros estão em preto e branco. Rute é uma mulher adulta, de cabelos curtos e castanhos, com alguns fios grisalhos. Usa óculos de aros escuros, tem os olhos castanhos, leves sardas no rosto e usa cachecol enrolado ao pescoço, camiseta de cor escura das Promotoras Populares e calça jeans.